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Samanta Luchini    |   14/05/2020   |   Desenvolvimento Humano   |  

Liderança em momentos de crise e incerteza

Assumir uma nova posição como líder e adotar comportamentos efetivos pode trazer o apoio de que tanto as pessoas precisam num momento de crise e incerteza.

Antes de começar, quero reiterar aqui um posicionamento que me acompanha desde que comecei estudar liderança, há quase 20 anos. Todos nós somos exigidos nesta competência, independente de possuirmos uma equipe de trabalho ou a formalidade de uma posição.

Precisamos de liderança dentro de casa, com nossas famílias, na educação dos nossos filhos, na gestão dos diversos conflitos e adversidades do dia-a-dia, nas instituições religiosas, num trabalho voluntário, nos relacionamentos e, acima de tudo, precisamos demostrar liderança na primeira pessoa. Isto é, precisamos ser capazes de liderar a nós mesmos. Liderar nossas emoções e impulsos, liderar nossos objetivos e metas, liderar nossos planejamentos, liderar nossas dúvidas e incertezas.

Por isso, eu trato a todos que de alguma forma cruzam o meu caminho, como líderes e considero bem-vindo todo conhecimento ou insight sobre esse assunto. Especialmente num momento tão crítico como esse que estamos vivendo agora, em virtude da pandemia do corona vírus. Afinal, é justamente quando as coisas “saem dos trilhos” é que percebemos mais nitidamente a necessidade de uma liderança efetiva.

Se eu precisasse descrever o momento atual me utilizando de apenas duas palavras, as minhas escolhidas seriam ruptura e reset (que em português tem o significado de redefinir, reiniciar).

Ruptura significa rompimento. Exatamente o que aconteceu com todos os nossos hábitos diários, padrões mentais, atitudes e comportamentos. Em um prazo de poucos dias vimos nossa vida toda ser modificada. O trabalho, os estudos, a rotina, os relacionamentos, a convivência com a família e amigos, os momentos de lazer e todos os planos que tínhamos para curto e médio prazo.

Uma ruptura, seja ela de qualquer natureza, geralmente é causadora de ansiedade, pois configura uma situação na qual os comandos, processos e estruturas existentes não nos servem mais e precisamos encontrar novos, que nem sempre são conhecidos ou de fácil acesso às nossas capacidades. É como o surgimento daquela tela azul com o feito sonoro de “pam” que aparecia quando o computador interrompia seu processamento. Lembra disso?


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O que nos leva imediatamente à segunda palavra...  

Reset significa reiniciar. Começar de novo, às vezes do zero. Reestabelecer um novo arranjo, um novo padrão. O ponto crítico aqui é a falta de uma base de conhecimento e de referências validadas para enfrentarmos essa crise. É como se a pandemia tivesse passado uma régua na humanidade, nivelando nosso grau de conhecimento e nos colocando de forma imperativa a necessidade urgente de aprender tudo, do início. Mais um contexto favorecedor de desconforto, preocupação, ansiedade e estresse.

Esse é o estado em que grande parte das pessoas se encontra neste momento, incluindo aquelas que também exercem o papel de líder. Mas ao mesmo tempo, é também uma grande oportunidade para o exercício de uma liderança diferenciada.

Quem seria o melhor líder nesse momento? Que comportamentos de liderança trariam os melhores resultados?

O objetivo aqui não é o de defender um estilo de liderança em detrimento de outros, até porque você pode fazer uso de um estilo próprio e alcançar excelentes resultados. Mas sim o de identificar comportamentos que podem trazer o apoio de que tanto as pessoas precisam nesse momento. Seja no âmbito de uma empresa, de uma sala de aula, de um grupo de trabalho ou dentro da sua casa.

Em primeiro lugar, respeite e valide a situação que todos estão vivendo, incluindo você. A palavra validação é sinônimo de empatia, portanto dê a si mesmo e aos outros o direito de sentirem o que estão sentindo e de pensarem da forma como estão pensando. Esperar as mesmas reações e o mesmo padrão de comportamento e produtividade de antes é uma espécie de autoengano. É normal estar “anormal” num contexto de anormalidade.

Dê espaço, acolha e administre o desconforto que as pessoas estão experimentando. As situações de ruptura, mudança e até mesmo de aprendizado e crescimento são desconfortáveis. Quando você compreende e aceita o desconforto como parte do “jogo”, fica mais fácil adotar os comportamentos de apoio, empatia e encorajamento.

Disponibilize-se para ouvi-las, sem julgar ou imaginar o que você faria se estivesse no lugar delas. Pergunte como poderia ajudá-las. Compartilhe suas histórias, mostrando sua humanidade e sua vulnerabilidade através delas. Esteja próximo e presente, mesmo que de forma virtual. Não tente tirar as pessoas do desconforto a qualquer custo ou de maneira imediata, como se pudesse ligar um interruptor e acender a luz num cômodo escuro. Tome cuidado com máximas de superação do tipo “agora é hora de ser forte”, “tem gente passando por coisa muito pior” ou “agora é a hora de mostrar o que a gente sabe”. Tirar do outro o direito de experimentar suas próprias emoções e seu próprio sofrimento é uma forma de enfraquecer a conexão e o vínculo de confiança, que são os alicerces de qualquer relacionamento. Às vezes trazer luz no formato de um pisca-pisca é mais produtivo do que usar um holofote.

Reveja a sua própria posição. No passado, os líderes tinham todas as respostas. Hoje isso não existe mais, o líder precisa aprender a funcionar na incerteza. Esteja aberto ao não saber, demonstre humildade e reconheça, caso não tenha ainda as melhores respostas. Trabalhe junto com as pessoas nessa busca, criando um ambiente propício à geração de novas ideias. Compartilhe o que você sabe e aproveite o conhecimento das pessoas. Os processos de criatividade e inovação, tão essenciais para esse momento, dependem diretamente disso.

Faça perguntas, muitas. Perguntas novas, diferentes, inusitadas, socráticas, provocativas. As perguntas, diferentemente das respostas, mantem a mente em funcionamento, fazem as pessoas olharem para os problemas através de uma outra perspectiva, trazem novas possibilidades de ação. Quanto mais possibilidades, mais ideias e mais soluções. Além disso, as pessoas se sentem valorizadas quando tem suas opiniões levadas em consideração.

Ajude as pessoas a acessarem suas capacidades. Na metodologia de coaching existe uma abordagem chamada peak performance (em tradução livre quer dizer desempenho máximo) que é utilizada quando a pessoa está diante de uma adversidade ou de situação que ela não sabe como resolver. De maneira bem genérica, essa abordagem ajuda as pessoas extraírem da própria experiência um momento no qual tenham sido bem sucedidas na busca de um resultado. Já está comprovado que a reflexão detalhada sobre experiências bem sucedidas no passado melhora nossa capacidade de ação. É como revisitar e adaptar uma “fórmula de sucesso” já testada e aprovada, que pode trazer mais energia e prontidão diante das dificuldades atuais.

Essa abordagem geralmente se fundamenta em três perguntas de grande valor: Quando no passado você enfrentou uma situação parecida com essa? O que você fez naquele momento, que trouxe resultados positivos? Essas ações (ou parte delas) poderiam ser adaptadas para o cenário de hoje? Uma conversa baseada nestas perguntas pode ser o estímulo de que a pessoa precisa para perceber que possui um bom estoque de conhecimentos e capacidades, prontos para serem aplicados no momento presente. A ideia principal é empoderar a pessoa, trazendo-lhe a consciência de que já passou por situações desafiadoras anteriormente e que foi capaz de obter êxito.

Invista ainda mais na estimulação intelectual. Não perca uma única chance de fazer as pessoas pensarem mais sobre as coisas, através de outras lentes e pontos de vista, através da experimentação de outras alternativas e da adoção de novas rotas. Ajude-as a revisarem suas próprias concepções acerca da realidade.

Sirva as pessoas e atenda suas necessidades. A prioridade de qualquer ser humano é satisfazer suas necessidades e um líder efetivo é aquele que reconhece isso. Verifique o que as pessoas mais precisam nesse momento e faça o possível para atender. Pode ser um recurso, uma informação, uma orientação, um feedback ou apenas uma boa conversa para reforçar o vínculo. Muitas de nossas melhores conexões são configuradas em momentos difíceis, nos quais alguém conseguiu identificar e atender nossas necessidades mais importantes. 

Liderar em momento de crise não significa fazer coisas grandiosas ou extraordinárias, mas sim apoiar e servir às pessoas para que possam superar os obstáculos e dificuldades. Como diz a célebre frase de Winston Churchill "as pipas sobem mais alto quando voam contra o vento não a favor dele."

Um grande abraço virtual e até breve.

O conteúdo e a opinião expressa neste artigo não representam a opinião do Grupo CIMM e são de responsabilidade do autor.
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Samanta Luchini

Mestre em Administração com Foco em Gestão e Inovação Organizacional, Especialista em Gestão de Pessoas pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS e em Neurociência pela Unifesp.
Psicóloga pela Universidade Metodista de São Paulo.
Executive & Life Coach em nível Sênior, com formação internacional pelo ICI (Integrated Coaching Institute) em curso credenciado pela ICF (International Coach Federation).
Professora convidada dos programas de pós-graduação da FGV/Strong, Universidade Metodista e Senac, dos programas de MBA da Universidade São Marcos e Unimonte, e dos cursos FGV/Cademp, para a área de Gestão de Pessoas.
Professora conteudista do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos – UNIFEOB.
Formadora de consultores e treinadores comportamentais.
Atua há mais de 23 anos com Gestão de Pessoas em diversas empresas e segmentos, dentre elas Wickbold, Bridgestone, Bombril, Solar Coca-Cola, Porto Seguro, Grupo M. Dias Branco, Prensas Schuler, Arteb, Grupo Mardel, Tegma, Pertech, Sherwin-Williams, Grupo Sigla, Unilever, Engecorps, Nitro Química, Grupo Byogene, Netfarma, NTN do Brasil, TW Espumas, Ambev, Takeda, Pöyry Tecnologia,
Neogrid, Scania, Kemp, Ceva Saúde Animal, Embalagens Flexíveis Diadema, Sem Parar, CMOC, Camil e Toyota.
Em sua trajetória profissional e acadêmica, já desenvolveu mais de 27.000 pessoas, com uma média de avaliação superior a nota 9,0 em todos seus treinamentos.
Palestrante, consultora de empresas e autora de diversos artigos acadêmicos publicados em congressos e revistas.
Colunista da revista Manufatura em Foco – www.manufaturaemfoco.com.br


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