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Samanta Luchini    |   03/06/2020   |   Desenvolvimento Humano   |  

Repense sua ideia sobre zona de conforto

A famosa zona de conforto reúne tudo aquilo que a gente sabe fazer bem, com domínio, com familiaridade, sem esforço, de forma literalmente confortável. Por isso ela também poder ser reconhecida como a nossa zona de excelência e maestria.

Não consigo mensurar nem tampouco me lembrar de todas as vezes que a expressão “zona de conforto” já fez parte dos meus diálogos, interações, pensamentos e análises. Especialmente no contexto do trabalho. É como se houvesse um imperativo para sairmos o quanto antes desse lugar, ou pelo menos impedir que ele aumente de tamanho.

Pessoas se cobram pela atitude de sair da sua zona de conforto, uma vez que tenham reconhecido estar nesse local. Líderes se esforçam para estabelecer estratégias e estruturas que estimulem as pessoas a saírem da zona de conforto, principalmente diante de desafios de inovação e crescimento. Fora toda a enxurrada de jargões motivacionais e livros de autoajuda, alertando-nos sobre todos os perigos de permanecer nesse local, onde ninguém prospera e nenhum sonho pode se realizar.

O principal argumento nestes alertas é o de que na zona de conforto não há aprendizado. E de fato, não há mesmo. 

O cérebro é econômico e não gasta energia para aprender o que já sabe. Na zona de medo também não há aprendizado, pois neste estado o cérebro opera no modo “proteção” e também não desperdiça energia com nenhuma outra função. Isso significa que o aprendizado só acontece na zona de expansão, que tecnicamente está fora/acima da zona de conforto.

Até aqui, o raciocínio é bem parecido com o que a gente já sabe, certo?

Meu convite é pensarmos um pouco sobre o que realmente compõe a zona de conforto. Pelo ponto de vista da neurociência, a zona de conforto reúne tudo aquilo que a gente sabe fazer bem, com domínio, com familiaridade, sem esforço, de forma literalmente confortável. Por isso ela também poder ser reconhecida como a nossa zona de excelência e maestria.


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Parece contraditório, não é? Mas vamos seguir com a reflexão.

Pense naqueles momentos em que você atingiu um estado de “flow”. Flow (que em português significa fluxo) é um modo de funcionamento no qual, ao realizarmos determinada atividade, mergulhamos em uma sensação de foco intenso, envolvimento total e fluidez, a ponto de todo o resto ficar em segundo plano. Não percebemos o passar das horas, não sentimos fome nem sede. Não há cansaço.

Agora relembre o que estava realizando nesses momentos. Certamente era algo do qual você possuía domínio, tinha toda a competência para fazer, além do desejo de fazer, o que combina bastante com uma experiência de conforto.

Desta forma, a nossa zona de conforto não deve ser reduzida, nem tampouco extinta. Pelo contrário, ela deve ser expandida. Pois quanto maior ela estiver, significa que o seu repertório de domínio e competência está mais amplo e que existem maiores chances para as experiências de flow. É nela em que reside o nosso melhor desempenho.

É para isso que serve o aprendizado, que acontece exclusivamente na zona de expansão. Toda vez que aprendemos algo novo e incorporamos isso no nosso comportamento diário, esse aprendizado passa a fazer parte da zona de conforto. É como se a zona de expansão existisse justamente para garantirmos o aumento da zona de conforto. Por mais estranho que pareça, essa é a dinâmica.

Inclusive, o nosso cérebro nem permitiria a saída da zona de conforto, sabia? O cérebro é regido pelo princípio da sobrevivência e busca incessantemente a sensação de segurança. Portanto, buscamos em primeiro lugar a nossa preservação, antes mesmo de querer estar feliz, ter prazer ou atingir uma meta. Trata-se de um imperativo biológico e jamais conseguiríamos mudar isso, mesmo dotados da maior força de vontade desse mundo.

Por isso, essa expressão “você precisa sair da sua zona de conforto” (e todas as suas variações) pode ser causadora de grande desconforto, tanto para quem diz, como para quem escuta.

Quem diz pode ficar frustrado por acreditar que o outro não esteja comprometido com o próprio crescimento ou que lhe falta iniciativa. Quem ouve pode ficar decepcionado ao acreditar que não é positivo executar seus domínios com frequência (lembre-se do estado de flow) ou sentir-se incapaz ao perceber o tamanho desgaste de energia envolvido na tentativa sair da sua zona de conforto. Ainda mais depois de ler o parágrafo anterior a esse...

O que deve nos chamar à reflexão, portanto, não é a zona de conforto. Mas sim a zona de acomodação, que nos remete à ideia de conformismo, preguiça, estagnação, resistência e desmotivação. Esta sim, deve ser desafiada, diminuída e temida.

Quem está na zona de acomodação não se sente feliz, mas ao mesmo tempo não deseja mudar. Está cansado de fazer o que faz, mas ao mesmo tempo não se dispõe a aprender coisas novas ou encarar situações diferentes. Reclama e se vitimiza com frequência, mas ao mesmo tempo não se interessa pelas possibilidades disponíveis. Enxerga sempre os obstáculos em primeiro lugar.

E isso não envolve apenas as questões ligadas ao trabalho, esse é um padrão de comportamento que se estende para a vida.

Depois dessa reflexão, talvez você possa pensar em alterar essas nomenclaturas, especialmente se convive com o desafio de apoiar o crescimento e o desenvolvimento de outras pessoas.

O problema não é estar na zona de conforto, esse deveria ser o nosso objetivo. Perigoso mesmo é permanecer na zona de acomodação.

Um grande abraço virtual e até breve.

O conteúdo e a opinião expressa neste artigo não representam a opinião do Grupo CIMM e são de responsabilidade do autor.
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Samanta Luchini

Mestre em Administração com Foco em Gestão e Inovação Organizacional, Especialista em Gestão de Pessoas pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS e em Neurociência pela Unifesp.
Psicóloga pela Universidade Metodista de São Paulo.
Executive & Life Coach em nível Sênior, com formação internacional pelo ICI (Integrated Coaching Institute) em curso credenciado pela ICF (International Coach Federation).
Professora convidada dos programas de pós-graduação da FGV/Strong, Universidade Metodista e Senac, dos programas de MBA da Universidade São Marcos e Unimonte, e dos cursos FGV/Cademp, para a área de Gestão de Pessoas.
Professora conteudista do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos – UNIFEOB.
Formadora de consultores e treinadores comportamentais.
Atua há mais de 23 anos com Gestão de Pessoas em diversas empresas e segmentos, dentre elas Wickbold, Bridgestone, Bombril, Solar Coca-Cola, Porto Seguro, Grupo M. Dias Branco, Prensas Schuler, Arteb, Grupo Mardel, Tegma, Pertech, Sherwin-Williams, Grupo Sigla, Unilever, Engecorps, Nitro Química, Grupo Byogene, Netfarma, NTN do Brasil, TW Espumas, Ambev, Takeda, Pöyry Tecnologia,
Neogrid, Scania, Kemp, Ceva Saúde Animal, Embalagens Flexíveis Diadema, Sem Parar, CMOC, Camil e Toyota.
Em sua trajetória profissional e acadêmica, já desenvolveu mais de 27.000 pessoas, com uma média de avaliação superior a nota 9,0 em todos seus treinamentos.
Palestrante, consultora de empresas e autora de diversos artigos acadêmicos publicados em congressos e revistas.
Colunista da revista Manufatura em Foco – www.manufaturaemfoco.com.br


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