Crise argentina pode abrir espaço para a China no país

Após o calote, os chineses podem aproveitar o momento para oferecer financiamento aos argentinos sob a condição de vender a eles mais produtos.

A queda nas exportações brasileiras para a Argentina deve se acentuar ainda mais até o fim do ano em função do estado de calote que o país vive. Até julho, as vendas caíram 22,6% e, nas estimativas da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), esse porcentual pode chegar a 27%. Em contrapartida, teme-se que a competição com a China, que já não é fácil, se acirre.

Os chineses vinham aproveitando o momento de crise para ganhar espaço. No mês passado, durante a visita do presidente chinês, Xi Jinping, ao país, os chineses se comprometeram a investir US$ 7,5 bilhões em hidrelétricas e liberar a compra de US$ 11,5 bilhões em produtos chineses com pagamentos a serem feitos em yuan, a moeda chinesa.

Após o calote, o crédito deve ficar mais escasso, e os chineses podem aproveitar o momento para oferecer financiamento aos argentinos sob a condição de vender mais produtos ao país. "Eles têm reservas de trilhões de dólares e não teriam o menor problema para dar financiamento", diz o presidente da AEB, José Augusto de Castro.

O avanço chinês já prejudica setores como o de calçados. O Brasil, colega de Mercosul, já exportou US$ 200 milhões em calçados para a Argentina. Neste ano, porém, deve vender pouco mais de US$ 50 milhões. No primeiro semestre, as vendas caíram 39%. No entanto, as importações de outros países fora do bloco, em especial da China, cresceram 11,4% em receitas, chegando a US$ 79,5 milhões.

Restrição

A redução do comércio entre os dois países se deu, em boa parte, pelas dificuldades que o próprio governo argentino impôs. Uma série de formulários passaram a ser exigidos. Entre eles, a Declaração Juramentada Antecipada de Importação, que nem é prevista nas regulamentações da Organização Mundial do Comércio (OMC) e visa a garantir a política do "uno por uno" - para cada dólar importado, um deve ser exportado. No mês passado, novos documentos da Receita Federal foram acrescentados à lista de exigências, tornando o processo ainda mais moroso.


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"As restrições impostas pelo governo argentino levaram muitas empresas a suspender os negócios, mas agora o problema também é macroeconômico: a demanda vai cair", diz o diretor de negociações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Mario Marconini.

O presidente da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo, Alberto Alzueta, diz que o fluxo financeiro para o país deve cair e, com isso, o governo argentino tende a eleger a importação de itens mais essenciais, como energia e insumos, deixando importações dos manufaturados de lado.

Para o Brasil, neste momento em que a economia patina, a perda de espaço no mercado argentino piora o cenário do lado de cá da fronteira. A Argentina é o terceiro parceiro comercial do País e 90% das vendas são de bens manufaturados, como automóveis, máquinas e equipamentos, calçados e vestuário. A queda na demanda afeta, portanto, diretamente a indústria, que não vive um bom momento. A produção industrial brasileira caiu 1,4% em junho em relação a maio. Foi o quarto mês seguido de retração e o pior resultado no ano, segundo o IBGE.

Automobilístico

Para se ter uma ideia da importância do mercado argentino, cerca de 15% de toda a produção nacional de automóveis é destinada ao país vizinho. "Vai sobrar mais carro nos pátios", diz um executivo do setor. "E é bom lembrar que já estamos dando férias coletivas porque a demanda interna também está fraca."

As exportações de automóveis caíram mais de 30% neste ano e a expectativa é de que caiam mais. Mas os executivos do setor lembram que este já era um cenário difícil antes do anúncio do calote na quarta-feira. Os preços dos automóveis vinham subindo na Argentina cerca de 35% e enfraquecendo a demanda interna.

Com o calote, a situação piora. A indústria de máquinas, por exemplo, sofria menos. As vendas para a Argentina caíram pouco, menos de 2%. A expectativa agora é que a queda chegue a 4% até o fim do ano, segundo o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), José Velloso Dias Cardoso. Isso fará com que a queda na produção brasileira, antes prevista para 13%, aumente para 15%.