Em busca do gesso sustentável

Pesquisa aponta potencial de reciclagem do material usado na construção civil

Um estudo conduzido na Unicamp apontou a viabilidade de reciclar o resíduo do gesso proveniente da construção civil. A pesquisa, desenvolvida pela engenheira civil Sayonara Maria de Moraes Pinheiro, atestou a possibilidade de recuperar o material, mantendo as mesmas propriedades físicas e mecânicas do gesso comercial.

O crescimento da construção civil no país na última década tem acentuado o descarte inadequado do resíduo no ambiente, que pode contaminar o solo e o lençol freático. “Com a investigação mostramos que é viável recuperar um resíduo que não era considerado possível de ser reciclado. Tanto que não existem usinas de reciclo para este material no país. Estima-se que o resíduo do gesso represente em torno de 4% do volume do descarte da construção civil, que no Estado de São Paulo corresponde a mais de 50% de todo o resíduo sólido urbano gerado”, evidencia a engenheira civil.
 
Ampla utilização
O gesso é amplamente utilizado na construção civil. O seu uso mais comum está relacionado ao revestimento de tetos e paredes; confecção de componentes pré-moldados como forros e divisórias; e como elemento decorativo, devido as suas propriedades de lisura, endurecimento rápido e relativa leveza.
 
A matéria-prima é o minério de gipsita, cujas maiores jazidas estão localizadas no polo gesseiro de Araripe, no sertão de Pernambuco. O polo é responsável por 95% da produção nacional. Todo o processo produtivo da região foi acompanhado de perto pela estudiosa da Unicamp, atualmente professora da Universidade Federal do Vale de São Francisco (Univasf), situada próxima à região.
 
Ela explica que o segmento gesseiro nacional encontra-se em expansão. A taxa de crescimento anual é da ordem de 8%, com expectativa de crescimento ainda maior, segundo dados do Sindicato da Indústria do Gesso de Pernambuco. O incremento se deve, conforme a engenheira, principalmente, à disseminação de sistemas construtivos alternativos, ao baixo custo do gesso e ao alto teor de pureza das jazidas de gipsita nacional.
 
“A extração da gipsita representa 1,9 milhão de toneladas por ano no Brasil. O polo Gesseiro do Araripe é responsável pela maior parte desta produção, tendo como principais consumidores os Estados da região Sudeste. O polo é constituído por 37 minas de exploração, cerca de 100 calcinadoras e, aproximadamente, 300 pequenas unidades produtoras de componentes, a maioria com processos artesanais”, detalha Sayonara Pinheiro. O volume de resíduos gerado por essas unidades produtoras representa, de acordo ela, massa significativa para proporcionar reciclagem industrialmente.
 
Impacto
A deposição inadequada do resíduo de gesso pode contaminar o solo e o lençol freático, alerta a estudiosa da Unicamp. Isso acontece devido às características físicas e químicas do material, que em contato com o ambiente pode se tornar tóxico. “O resíduo do gesso é constituído de sulfato de cálcio di-hidratado. A facilidade de solubilização promove a sulfurização do solo e a contaminação do lençol freático”, pontua Sayonara Pinheiro.
 
Do mesmo modo, a deposição do resíduo em aterros sanitários comuns não é recomendada.  Neste caso, além de tóxico, a dissolução dos componentes do gesso pode torná-lo inflamável, explica a pesquisadora. “O ambiente úmido, associado às condições aeróbicas e à presença de bactérias redutoras de sulfato, permite a dissociação dos componentes do resíduo em dióxido de carbono, água e gás sulfídrico, que possui odor característico de ovo podre. A incineração do gesso também pode produzir o dióxido de enxofre, um gás tóxico. As possibilidades de minimizar o impacto ambiental, portanto, são a redução da geração do resíduo, a reutilização e a reciclagem”, aconselha.
 
Legilação
O Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) publicou resolução nº 431, em 2011, estabelecendo uma nova classificação para o gesso. A resolução altera a classificação do material. Antes, ele era agrupado na categoria de “resíduos para os quais não foram desenvolvidas tecnologias ou aplicações economicamente viáveis que permitam a sua reciclagem ou recuperação”. Agora, a deliberação inclui o gesso na categoria de “resíduos recicláveis”, tais como o plástico, papel, papelão, metais, vidros e madeiras. 
 
“Mesmo que haja segregação deste resíduo na obra, encontramos um problema: a ausência de local para descartá-lo e a inexistência de usinas de reciclo. E porque não existem as usinas de reciclagem? Porque a Resolução do Conama que recomenda a reciclagem do resíduo é recente, e as pesquisas relacionadas ao processo de reciclagem e ao conhecimento das características do gesso reciclado são incipientes. O objetivo do nosso estudo foi justamente avaliar essas propriedades no material reciclado, desenvolvido em modelo experimental”, revela a pesquisadora.
 
Reciclagem
O modelo experimental para a reciclagem do resíduo constituiu, de acordo com ela, nas fases de moagem e calcinação. Após estas etapas foram avaliadas as propriedades físicas e mecânicas do material reciclado. “Os resíduos foram submetidos a ciclos de reciclagem consecutivos. Com estes ciclos, nós queríamos verificar se era possível reciclar o gesso, que já havia passado por processo de reciclo. Chegamos até o 5º ciclo de reciclagem e o gesso apresentou características químicas e microestruturais similares ao longo de todo o processo. Podemos inferir, portanto, que ele pode ser reciclado indefinidamente”, conclui.
 
Os ciclos de reciclagem provam, segundo a engenheira, que o gesso da construção civil pode ser totalmente sustentável.  “Pode-se utilizar o resíduo do gesso em diversos ciclos de reciclagem, que é uma das diretrizes da sustentabilidade no setor. Além disso, evita a extração da matéria-prima de fabricação do gesso, que é a gipsita”, complementa Sayonara Pinheiro. 
 
 
Por Silvio Anunciação/ Jornal da Unicamp

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