Betume nacional pode armazenar rejeito radioativo

O uso do betume gera economia em embalagens e espaço físico

A engenheira química Marcia Flavia Righi Guzella, da Unicamp, desenvolveu um processo inédito para imobilização de rejeitos radioativos provenientes de usinas nucleares, utilizando uma matriz de betume nacional.

O objetivo é a obtenção de produtos monolíticos, homogêneos, mecânica e quimicamente estáveis e com baixas taxas de lixiviação, um problema que consiste na perda de componentes solúveis através da passagem de uma solução pela matriz - a chuva, por exemplo.

Rejeito nuclear
Especialista em energia Nuclear, Guzella avaliou positivamente dois betumes produzidos no Brasil evitando, dessa maneira, a importação do produto de outros países, como aconteceria na Usina Angra 2.

"Esse dado é bastante importante porque a alta porcentagem de rejeito incorporada em betume reduz muito o custo de armazenamento dos rejeitos de usinas", afirmou a pesquisadora, cujo trabalho contou com participação de Elizabete Jordão e Vanderley de Vasconcelos.

Guzella explica que a lixiviação, que é um dos métodos de caracterização do produto de rejeito, é um experimento bastante demorado, que chega a durar um ano. Em um recipiente, o produto é coberto com água e, de acordo com um período pré-determinado, essa água é trocada e analisada. "Essa medição é muito importante porque determina se o rejeito está incorporado ao betume".

Segundo comenta a engenheira química, a Usina Angra 1 é uma central de tecnologia norte-americana que utiliza cimento para incorporar os rejeitos gerados. Já a Usina Angra 2 tem tecnologia alemã e já utiliza o betume para armazenar seus rejeitos.

Lixo nuclear no betume
Utilizar o betume significa uma incorporação de até 40% em massa de rejeitos, o que gera uma economia muito grande tanto em embalagens para o armazenamento quanto em espaço físico no futuro depósito.

Mas, para que essa incorporação seja eficiente, os betumes devem atender algumas características específicas. Ponto de amolecimento, ponto de fulgor, penetração e viscosidade são algumas propriedades avaliadas e fundamentais no processo. No caso dos betumes brasileiros avaliados por Guzella, os pontos de amolecimento estão em 71,8°C e 91,3°C, respectivamente.

O rejeito selecionado foi o concentrado de evaporador portador das características dos rejeitos líquidos gerados em uma usina nuclear do tipo PWR (Pressurized Water Reactor). Guzella argumenta que a escolha do rejeito foi feita em razão do grande volume deste tipo gerado em usinas nucleares.

Ademais, os dois betumes nacionais foram avaliados com a finalidade de evitar a importação da matriz inicialmente especificada para outras usinas nucleares da Europa que utilizam esta tecnologia. "O betume possui características diferentes em cada país, portanto, comprar de outros lugares poderia comprometer o processo", afirmou a pesquisadora.

Avaliação do betume
Para realizar os testes de incorporações, a engenheira química utilizou o Sistema de Betuminização do CDTN. As porcentagens de rejeito incorporado ao betume variaram de 30% a 40% em massa, valores estes considerados compatíveis com os dados obtidos na literatura e, também, da operação de usinas nucleares que utilizam este processo para o tratamento dos rejeitos.

Tanto para o betume quanto para os produtos de rejeito foram avaliadas as propriedades consideradas importantes, visando garantir a operação segura do sistema e a segurança dos operadores, além da qualidade dos produtos obtidos, que são desenvolvidos para serem armazenados por longos períodos.

Foram objeto de análise a penetração, o ponto de amolecimento, o ponto de fulgor, o teor de água e as taxas de lixiviação. Guzella demonstrou que a integridade e a durabilidade dos produtos de rejeito também estão relacionadas com as taxas de lixiviação dos elementos que constituem o rejeito.

Ainda, os procedimentos para determinar estas taxas estão estabelecidos em normas internacionais e a análise destes dados foi utilizada para investigar os mecanismos de lixiviação, que podem ser a difusão, a dissolução ou a partição, permitindo, dessa maneira, prever a performance do produto e a modelagem dos ensaios. "Esta avaliação deve ser feita antes da disposição final dos rejeitos e tem grande importância para a análise de segurança dos repositórios", ressaltou a pesquisadora.

Betume nacional
A pesquisa, segundo Guzella, contribuiu não apenas para o desenvolvimento do processo de incorporação de rejeitos em betume, mas também para as melhorias do Sistema de Betuminização do CDTN e para a implantação dos ensaios e métodos para as caracterizações necessárias. "Não há dúvidas de que os betumes nacionais estudados podem ser usados para a imobilização de rejeitos de usinas nucleares brasileiras, pois foram obtidos produtos com as propriedades requeridas para o armazenamento nos depósitos", pontuou.

A engenheira química revelou ainda um dado importante que não consta de sua tese, mas que foi fundamental para corroborar os resultados obtidos. Toda a pesquisa foi feita no Brasil e, além dos betumes nacionais, ela trabalhou com dezenas de marcas diferentes, importando algumas qualificações, com o único objetivo de comparar os dados obtidos.

Segundo a pesquisadora, existe a previsão do governo federal para a área energética nos próximos dez anos, de implantação de outras usinas nucleares na região Nordeste do Brasil. "Hoje é uma energia complementar, polui menos, diminui a devastação de áreas ambientais, a inundação de cidades e, em termos de preço, estão competitivas. A partir desse ponto de vista é fundamental pensar como tratar os rejeitos", concluiu Guzella.


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