Na disputa de preços, Vale usa tática de siderúrgicas

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O confronto aberto pela Vale  ao entrar ontem com queixa no órgãos de defesa da concorrência da Comissão Europeia contra as siderúrgicas locais por formação de cartel no mercado de aço, conforme comunicado da mineradora, indica que a empresa optou por uma linha de defesa agressiva contra a Eurofer (Confederação Europeia das Indústrias de Ferro e Aço). Essa é a avaliação de especialistas e analistas do setor. A entidade protocolou na semana passada uma ação acusando Vale, BHP Billiton  e Rio Tinto de terem infringido as regras de concorrência da União Europeia por conta dos reajustes da ordem de 100% nos preços do minério de ferro. "No fundo, tudo isso é um jogo de cena, pois em algum momento ArcelorMittal e ThyssenKrupp, as maiores siderúrgicas da Europa, vão se acertar com a Vale, pois dependem umas das outras".

Para essas fontes, a Vale está se defendendo porque as siderúrgicas vieram agressivas contra a empresa num momento de proposta de mudança do sistema de reajuste de preços tradicional, o "benchmark" anual, pelo qual uma mineradora firmava contrato de longo prazo com uma usina de aço de porte, criando uma referência para todo o mercado. Mudou para um modelo que se baseia no comportamento do mercado livre e adota reajustes trimestrais.

"Todo mundo da indústria siderúrgica ainda está com a cabeça no 'benchmark' anual e está difícil raciocinar com base nos novos sistemas de referência, que é o mercado à vista", avaliam os especialistas. No entanto, avaliam essas fontes que o clima de "fogo cruzado" das siderúrgicas contra as mineradoras não vai levar a lugar nenhum. O boicote às três grandes mineradoras proposto na China pela Cisa (Associação das Siderúrgicas Chinesas), só vai tumultuar mais o mercado e ajudar a empurrar para cima o preço do minério no mercado livre, que ontem superou o patamar de US$ 160 a tonelada. Os estoques na China somam hoje 70 milhões de toneladas, e dão para consumo no máximo de um mês e meio.

O aquecido mercado chinês, porém, não pode ser comparado com o ainda morno mercado europeu. A Vale tem ali seus clientes mais tradicionais, pelo menos até a China despertar em 2002. No ano passado, as siderúrgicas do velho continente compraram 34,6 milhões de toneladas de minério de ferro e pelotas da mineradora brasileira, ou 13,6% de um volume total embarcado de 253,4 milhões de toneladas. O mercado europeu ficou em segundo lugar, logo depois do chinês, que importou 144 milhões de toneladas do minério da Vale, 56,8% das vendas totais de minério e pelotas da companhia.

Em 2008, a indústria europeia do aço consumiu 74,2 milhoes de toneladas do minério da Vale, ou 25,1% do volume total exportado de 295,1 milhões de toneladas. "O minério da Vale é fundamental para os alto fornos das usinas europeias terem boa produtividade, já que têm um custo mais elevado, terem boa produtividade", disse um analista de banco. A ArcelorMittal, por exemplo, maior siderúrgica do mundo, tem um contrato de fornecimento de longo prazo assinado com a Vale de 48 milhões de toneladas anuais do produto para suas usinas. Disso, 20 milhões de toneladas são para usinas que têm no Brasil e o restante para Europa.

No comunicado que a Vale divulgou ontem, informando que "estava notificando à Comissão Europeia seu desconforto com relação à possivel quebra de regras da concorrência na Europa pela Eurofer", a mineradora, além de rejeitar as acusações da entidade de que infringiu regras da concorrência da União Europeia, expressa sua preocupação "com o fato de que possa ter havido uma ação coordenada dos membros associados da Eurofer em sua forma de abordagem nas negociações em curso com a Vale". A companhia acrescenta ainda que "gostaria de estimular a Comissão a investigar este tema".

O Valor procurou a Vale para uma entrevista com o diretor de ferrosos, José Carlos Martins, para saber mais detalhes sobre essa decisão tomada pela empresa. Mas o executivo não se encontrava mais na sede da companhia. Também não foi possível fazer contato com a assessoria na parte da tarde.

Para Pedro Galdi, analista de mineração da SLW Corretora, a mineradora está argumentando nas entrelinhas que no ano passado, com a crise econômica, as siderúrgicas chegaram a solicitar à ela uma redução nos volumes de compra de minério acertados nos contratos de longo prazo e passaram a adquirir o produto com base em descontos sobre o preço de referência porque o mercado à vista estava mais barato. "O ano de 2009 foi o ano das siderúrgicas e elas nadaram de braçada. 2010 é o ano das mineradoras", ressalta Galdi. Para ele, o jogo, nesta queda de braço, já está definido.


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