Ex-ministro defende aproximação da escola com o mundo do trabalho

Segundo Henrique Paim o trabalho realizado pelo SESI na formação de professores, no sistema de gestão e na implementação do novo ensino médio deve ser um modelo para as redes públicas de ensino.

Diante dos novos desafios da educação brasileira, que ficaram ainda mais em evidência após o fechamento das escolas na pandemia, o sistema de ensino precisa adotar estratégias de recomposição e acompanhamento da aprendizagem, é o que diz o diretor do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais (DGPE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Henrique Paim, entrevistado pela Agência de Notícias da Indústria. Ele apresenta um panorama do atual cenário educacional no país e novas metodologias que estão sendo buscadas para melhorar a qualidade do ensino.  

Paim também é professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da FGV e economista, além de ter ocupado cargos em diversos setores da educação, como o de ministro da Educação.  

Agência de Notícias da Indústria: Hoje, qual o maior desafio encontrado para promover uma educação de qualidade para todos no Brasil? 

Henrique Paim: O maior desafio está associado à situação que vivemos nesse momento, que é a maior crise da história da educação brasileira, em função da pandemia. A pandemia trouxe danos irreparáveis para a situação da saúde, a situação sanitária das famílias, mas, para a educação, ela também foi muito danosa. E, neste caso, temos uma situação em que praticamente foi neutralizado todo o esforço feito nos últimos anos em prol da melhor proficiência dos alunos.  

As redes que fizeram o processo de avaliação com os estudantes, depois de dois anos praticamente sem aula, estão em uma situação muito ruim do ponto de vista de desempenho educacional. Precisamos ter uma estratégia para recompor essa aprendizagem, o que passa, necessariamente, por uma mudança de cultura nos sistemas educacionais brasileiros, nos sistemas estaduais e municipais de educação. Isso deve ser promovido a partir de uma mobilização nacional, que precisa ser feita para que possamos avançar.


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Necessitamos criar uma cultura de acompanhamento do sistema que passe por um bom diagnóstico e por um processo de avaliação que permita verificar a situação de cada estudante, de cada turma e de cada escola, para que se possa implementar, dentro da secretaria estadual ou municipal de educação, um processo de gestão com foco na aprendizagem. A partir dessa cultura de acompanhamento do processo avaliativo é que iremos identificar as principais carências do sistema. 

Agência de Notícias da Indústria: Diante dos baixos níveis de aprendizagem dos alunos que concluem a educação básica, e que foram agravados com a pandemia, como melhorar a qualidade da educação pública no Brasil? E de que forma a metodologia da rede SESI pode contribuir para esse processo? 

Henrique Paim: O SESI tem hoje um sistema de ensino bastante robusto. Ele conseguiu, por meio de um processo participativo e de cocriação, produzir um material didático muito adequado e em sintonia com o pensamento da maioria dos seus professores. Isso é muito importante, porque sabemos que o processo participativo de cocriação na educação que funciona em rede é fundamental. Quando temos um material do qual o professor se sente partícipe, porque participou de todo o processo de sua formulação, é muito positivo. Esse foi um passo importantíssimo que o SESI deu. Ter um bom material didático contribui para a criação de uma estratégia muito bem definida de recomposição da aprendizagem.  

Outro ponto é que o mecanismo de construção do material didático do SESI também permite realizar um bom processo de formação continuada dos professores, para que eles tenham condições de produzir esse material didático e, obviamente, de acompanhar o desenvolvimento das escolas a partir de um processo de avaliação. 

Também é muito importante o SESI já ter construído um currículo, especialmente no ensino médio, que se dedica à construção dos itinerários formativos associados ao projeto de vida dos estudantes. Porque precisamos fazer com que o jovem brasileiro tenha uma boa narrativa e saiba exatamente qual percurso educacional quer seguir.  

É considerável, também, a perspectiva trazida pela entidade na relação da escola com o mundo do trabalho, tanto na formação cidadã do estudante quanto na sua formação para esse mundo, como está previsto na própria constituição. Este trabalho pode muito bem ser replicado e oferecido também para as redes públicas de ensino porque, na realidade, o SESI passou a ser um grande laboratório para que possamos replicar esse processo. 

Agência de Notícias da Indústria: A própria rede pública de ensino conta com boas práticas educacionais que deveriam ser replicadas? 

Henrique Paim: Se olharmos do ponto de vista dos sistemas estaduais de ensino, o que temos hoje de destaque são aquelas secretarias estaduais de educação que trabalham com o que chamamos de uma gestão voltada para a aprendizagem. Essa gestão passa, necessariamente, pela construção de um sistema estadual de avaliação e pela construção de um currículo e oferta de formação profissional. Tudo isso associado ao que chamamos de cultura de acompanhamento, que é o que faz a diferença para esses sistemas educacionais que mais se destacam. 

Temos tanto a avaliação da aprendizagem – que é importante, pois envolve uma avaliação externa que consegue nos dizer onde o nosso sistema está em relação a outros sistemas – como também temos de criar uma cultura de avaliação para a aprendizagem, e essa avaliação para a aprendizagem tem a ver, justamente, com o diagnóstico, de modo a que se consiga identificar claramente todos os gargalos que existem na rede, passando por problemas de proficiência, inclusão, reprovação, abandono. Todos esses aspectos precisam ser considerados no âmbito do sistema de educação. 

Para cada uma dessas questões, que são importantes em termos de política pública, temos alguns bons exemplos no país, e existe um conjunto de sistemas se destacando nesse sentido. Por exemplo, estamos desenvolvendo um trabalho no Mato Grosso em que o SESI é o nosso parceiro na Educação de Jovens e Adultos e, neste caso, vemos o uso de um material do SESI que é muito avançado e adequado, porque ele trabalha com reconhecimento de saberes.

Então estamos, na Educação de Jovens e Adultos, aplicando em conjunto com o SESI um processo muito interessante, em que partimos do princípio de que aquele estudante, que está voltando para o sistema, precisa passar por um reconhecimento daquilo que ele já conseguiu acumular ao longo da sua vida escolar. Precisamos reconhecer esse acúmulo para poder definir uma estratégia que possibilite a conclusão daquelas etapas da educação básica que ele não concluiu. 

Agência de Notícias da Indústria: Como a implementação do Novo Ensino Médio contribuirá para as melhorias educacionais no país? 

Henrique Paim: Eu diria que pode contribuir muito, na medida em que o ensino médio, há muito tempo, tem um diagnóstico de que precisa ser mudado, ser repensado. As mudanças que foram feitas são importantes, embora não sejam uma unanimidade. Mas todo o sistema educacional no Brasil acabou, de uma forma ou de outra, promovendo mudanças curriculares associadas à Base Comum Curricular para que houvesse as alterações de aumento de jornada, de implantação de um novo currículo, de produção de material didático, incorporando as questões que estão na BNCC, associadas ao projeto de vida, ao socioemocional. Tudo isso está sendo implementado pelos estados a partir de um grande esforço. 

Ao mesmo tempo, os itinerários formativos são um desafio importante ainda a ser atingido, porque, na realidade, é preciso organizar o sistema, organizar a rede de ensino para que ela possa ofertar esses itinerários: de Linguagens e suas tecnologias, Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Matemática. Esses itinerários são um aspecto que o SESI também trabalha – e o próprio SENAI está envolvido nisso –, pois tenta integrar, de alguma forma, o itinerário de formação técnica e profissional, que considero o mais importante. 

O grande esforço que o Brasil tem de fazer, daqui para a frente, é ampliar a oferta de ensino vocacional, é ampliar a oferta de ensino médio com educação profissional. E eu diria que o papel que pode ser desempenhado pelo SESI é fundamental, porque ele desenvolveu o currículo integrado. Essa integração do currículo da educação profissional com o currículo propedêutico do ensino médio é uma tarefa muito importante que o SESI já desenvolveu. Isso pode ser ajustado, adaptado e apresentado para as redes estaduais para que possamos avançar. 

Agência de Notícias da Indústria: De que forma as parcerias realizadas pela FGV com instituições de ensino, como o SESI, contribuem para o desenvolvimento e/ou aperfeiçoamento de práticas educacionais? 

Henrique Paim: Eu diria que as parcerias são muito importantes na medida em que essas instituições conseguem ter uma visão externa ao sistema, porque, quando enxergamos como funcionam as secretarias de educação dos estados e municípios, vemos claramente que, muitas vezes, o gestor está muito envolvido com os processos de suporte. Ele precisa resolver, no dia a dia, a questão da alimentação escolar, do transporte, da logística, de recursos humanos, gestão orçamentária e financeira, infraestrutura. São muitos afazeres, o que leva a que o gestor fique o tempo todo cuidando dessas questões.

Quando algumas instituições que estão fora do sistema conseguem enxergar a sua totalidade, verificar o que está acontecendo de fato e alertar os gestores de que é preciso dar um passo além, que é preciso ter um foco na aprendizagem, isso contribui fortemente para o aperfeiçoamento das práticas educativas. Não que essas instituições irão substituir o trabalho orgânico feito pela secretaria, mas irão ajudar a promover a mudança de cultura dentro da secretaria de educação para que ela possa ter uma gestão mais voltada para a aprendizagem e consiga transformar a educação do ponto de vista de qualidade e equidade.