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Num cenário de constantes transformações sociais, mercadológicas e tecnológicas na indústria, práticas consagradas como as “Caminhadas pelo Gemba” continuam a desempenhar um papel central numa jornada de implementação do sistema lean e consequentemente, na busca pela melhoria contínua e excelência operacional.
Originada nos princípios do método Toyota, uma das bases da gestão lean, as “Caminhadas” consistem na ida cotidiana de líderes e liderados ao “gemba” — o local real onde o trabalho acontece — com o objetivo de observar diretamente os processos, identificar oportunidades de melhoria e engajar os times para que busquem soluções científicas, sustentáveis e, portanto, definitivas.
A palavra "gemba", de origem japonesa, remete justamente a esse “lugar real” onde o valor é gerado: pode ser o chão de fábrica, uma linha de montagem ou até um armazém logístico.
A essência da prática da “Caminhada” está justamente em ir a esse local, mas com “olhos e ouvidos lean”. Ou seja, para buscar a compreensão profunda da realidade operacional, indo além dos indicadores e relatórios. Em outras palavras, para enxergar com os próprios olhos o que precisa ser transformado.
Contudo, diante do avanço tecnológico, das exigências crescentes por sustentabilidade e da valorização do fator humano, as “Caminhada” também podem e precisam evoluir. Três dimensões são fundamentais nessa transformação.
A primeira é a integração digital. O uso de tecnologias, como sensores, dashboards e sistemas IoT, enriquecem a caminhada com dados em tempo real, permitindo validar percepções no ato da observação e tomar decisões mais precisas.
A segunda é o alinhamento com o que é valor para o cliente, o que, atualmente, poderá incluir as diretrizes das práticas relacionadas a ESG, sigla em inglês das expressões "Environmental, Social, and Governance", ou seja, os fatores ambientais, sociais e de governança – um conjunto de práticas e princípios que avaliam o desempenho de uma empresa em relação a essas questões que, não raro, também são avaliadas e valorizadas por clientes.
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Assim, ir ao gemba não se pode mais se restringir apenas e tão somente à produtividade, ao combate ao desperdício e questões do tipo — deve incluir também o olhar atento à segurança, à diversidade, ao bem-estar das pessoas e ao impacto ambiental das operações.
A terceira dimensão envolve o desenvolvimento de lideranças. Nesse contexto, as “Caminhadas” deixam de ser apenas um instrumento de “diagnóstico operacional”. Elas se tornam também uma poderosa ferramenta de coaching, de evolução pessoal.
Modelos de mentalidade e de comportamento como o kata de coaching – uma prática estruturada que visa desenvolver a habilidade das pessoas através do desenvolvimento do pensamento científico – transformam as “Caminhadas” em uma oportunidade de aprendizado conjunto entre líderes e liderados.
Além dessas três dimensões, para garantir a efetividade dessa prática é necessário se elaborar um roteiro estruturado.
Seguindo o ciclo do PDCA – sigla das expressões em inglês plan, do, check e act (em português, planejar, fazer, verificar e agir) – pode-se começar pelo planejamento. Ou seja, a definição de quais processos serão observados, quais os objetivos da visita e, obviamente, quando ela ocorrerá e com quem.
Em seguida, é preciso se refletir e definir a “maneira comportamental” com que será feita essa observação. Por exemplo, de forma respeitosa e isenta de julgamentos. O terceiro passo é o estruturar os questionamentos que serão feitos: o padrão que fora estipulado está sendo seguido? Há gargalos ou perdas nos processos? Por fim, também vale pensar e definir como será a forma de registrar as constatações, com base em dados, para debater com o time as possíveis soluções.
Alguns princípios não podem ser negligenciados numa boa “Caminhada”.
Por exemplo, com relação à mentalidade e atitudes dos líderes, deve-se manter uma presença respeitosa, que valorize o trabalho das pessoas e busque construir laços de confiança. Nesse sentido, é importante criticar sempre os processos, mas não as pessoas.
Os olhares devem sempre se voltar para o fluxo de valor que é feito para os clientes. É preciso estar atento aos desvios de padrão, focar nas causas raiz dos problemas e, acima de tudo, registrar fatos e evidências, não opiniões. Por fim, o engajamento da equipe é chave: ouvir as pessoas que estão ali, no chão de fábrica, é tão importante quanto observar.
Na prática, as “Caminhadas pelo gemba” não são e não podem ser simplesmente um ato de “passear” pelo chão de fábrica. Significa construir um elo entre estratégia e operação, entre pessoas e processos, entre o que se deseja e o que realmente acontece.
E como toda boa prática do sistema lean, isso também deve estar sempre em constante evolução.
*Imagem de capa: Depositphotos.com
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Ricardo Itikawa
Head de Manufatura e Desenvolvimento de Produtos e Processos do Lean Institute Brasil (LIB). Foi corresponsável pelo desenvolvimento do sistema lean na Embraer (Programa Excelência Empresarial Embraer - P3E), atuando como gerente. Especialista em TPM, liderou projetos 3P da nova fábrica de Portugal. Foi Black Belt na Ambev. Atuou como professor durante quatro anos no MBA de Gestão e Eng. da Qualidade da Poli-USP. É Engenheiro Mecânico pela UNESP, tem MBA em Gestão Empresarial pela FGV, Cursos de Pós-Graduação no ITA e é Black Belt em Seis Sigma pela Fundação Christiano Ottoni/UFMG.
Conceitos, práticas e a jornada lean sob a ótica dos heads do Lean Institute Brasil especializados no setor industrial
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