País precisa dobrar investimento para conseguir crescer 4% ao ano

Especialistas acreditam que só o setor privado tem capacidade e agilidade para cumprir essa tarefa. Atualmente são aplicados em infraestrutura e logística apenas 2% do PIB

 

O Brasil precisa, no mínimo, duplicar os investimentos em infraestrutura e logística para crescer de forma sustentável a 4% ao ano. Hoje em torno de 2% do PIB do país, esses investimentos deveriam saltar para a faixa entre 4% e 6%, na visão do consultor e especialista Claudio Frischtak. Ele acrescenta que, investindo menos de 3%, o Brasil não cobre nem a depreciação do capital físico per capita .
 
"É o que observamos ao sair na rua", diz o consultor, referindo-se à congestão crescente das grandes cidades e à deterioração da malha rodoviária, que faz do país um campeão de acidentes e mortes nas estradas.
 
Segundo Frischtak, só o setor privado pode dar conta da tarefa de duplicar os investimentos em infraestrutura no Brasil. "É insustentável o Tesouro transferir mais R$ 150 bilhões, R$ 200 bilhões para o BNDES, nem o próprio banco quer isso", afirma.
 
Para Antônio Miguel Marques, presidente da Concessionária Aeroporto Internacional de Guarulhos, "só a iniciativa privada teria a agilidade para atender aos grandes eventos esportivos que estão chegando".
 
Frischtak vê uma grande demanda, da parte dos investidores, por projetos de infraestrutura no Brasil. Os grandes ágios (como na concessão recente de aeroportos) e deságios (nas tarifas da concessão de rodovias) mostram a força dessa demanda. Ele acrescenta que as baixas taxas de juros no Brasil e no exterior são um estímulo adicional a empurrar os capitais para os projetos brasileiros de infraestrutura. No caso dos fundos de pensão nacionais, está cada vez mais difícil alcançar a meta atuarial de rentabilidade com títulos de renda fixa.
 
As debêntures de infraestrutura, criadas em 2010 e voltadas a financiar projetos no setor, com isenções fiscais, são um fator a mais de otimismo. Hoje, elas parecem próximas de deslanchar.
 
Em outubro, a Autoban, concessionária do Sistema Anhanguera-Bandeirantes, do grupo CCR, emitiu R$ 100 milhões em debêntures de infraestrutura, compradas por mais de mil investidores de private banking (pessoas físicas com grande patrimônio), pelo prazo de cinco anos, IPCA, mais juros de 2,71%. "A demanda foi o dobro do esperado, e colocamos pela mesma taxa que o governo capta com seus papéis", diz Renato Vale, presidente da CCR.
 
De qualquer forma, o grande financiador da infraestrutura no país continua sendo o BNDES, diz Cleverson Aroeira da Silva, chefe do Departamento de Logística da área de Infraestrutura. O BNDES participou, ou ainda participa, intensamente no financiamento das concessões rodoviárias, com mais de 30 rodovias na carteira, bem como na primeira fase da privatização ferroviária, nos terminais portuários privativos e naqueles arrendados dentro dos portos públicos, e está negociando apoio para todas as concessões recentes de aeroportos. Um empréstimo-ponte de R$ 1,2 bilhão para Guarulhos já foi aprovado.
 
Apesar do bom momento para a infraestrutura, com o anúncio recente do pacote de concessões rodoviárias e ferroviárias de R$ 133 bilhões, e outros anúncios por vir, como o pacote para portos, Frischtak vê uma série de desafios que terão de ser enfrentados para que se possa dobrar o investimento em infraestrutura e logística. O primeiro é restaurar a competência técnica das agências reguladoras e acabar com a ingerência política nesses órgãos.
 
Frischtak acredita que a presidente Dilma Rousseff está atacando essa questão, como fica claro com a nomeação técnica de Magda Chambriard para a Agência Nacional do Petróleo (ANP), mas o problema persiste nas agências ligadas aos transportes, ANTT e Antaq.
 
O segundo desafio é evitar, no afã de baratear o custo do país, mudanças que sejam sentidas pelos investidores como mudança das regras do jogo. O recente pacote de barateamento da energia elétrica, que provocou grandes quedas das ações das empresas do setor, é um exemplo preocupante.
 
O terceiro obstáculo são as diversas empresas estatais no setor de infraestrutura e logística que primam pela ineficiência e, em alguns casos, pela interferência política.
 
Planejamento de longo prazo
O consultor cita as Companhias Docas (dos portos), empresas estaduais de energia absorvidas pela Eletrobras e diversas companhias estaduais de saneamento. Frischtak defende a privatização das Docas e parcerias público-privadas (PPPs) na área de saneamento.
 
"O que falta hoje é alguém que mande no porto", diz Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABPT), que critica as Companhias Docas pela interferência político-partidária e pela falta de autonomia, de velocidade e de dinamismo, e defende um modelo de PPP para os portos.
 
Já Mauro Salgado, diretor comercial da Santos Brasil (com três terminais de contêineres) e presidente da Federação Nacional dos Operadores Portuários (Fenop), nota que o comércio exterior brasileiro cresceu sete vezes desde a Lei dos Portos, de 1993, que possibilitou a privatização. "Nenhum volume de carga deixou de ser movimentado por causa dos portos, e o valor pago pelos armadores aos portos caiu significativamente", defende.
 
O ponto final defendido por Frischtak é que deve haver um planejamento de longo prazo na área de transporte e logística, como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) faz na área de eletricidade. Ele considera necessários planos quinquenais, decenais e de 30 anos para o setor de transporte, que poderiam ficar a cargo da nova Empresa de Planejamento e Logística (EPL). Mas alerta também para o risco de que "a expansão dos poderes da EPL enfraqueça ainda mais a ANTT e a Antaq".
 
Por Fernando Dantas/ O Globo