Governo tenta atrair Vale para terras-raras

O governo brasileiro decidiu entrar no clube dos países que enfrentam o virtual monopólio da China na produção e venda de terras-raras, minerais como a monazita, usados em componentes fundamentais da indústria eletroeletrônica. Hoje, o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloyzio Mercadante, reúne-se com especialistas da área e executivos da Vale, para avaliar a participação da empresa no projeto de exploração desses minérios e seu uso em produtos de maior valor agregado, como imãs de alta potência, usados em equipamentos como turbinas de geração de energia eólica ou discos rígidos de computador.

A Vale informou, por intermédio da assessoria, que não comenta o assunto. Mercadante espera, com otimismo, o relatório da empresa sobre as perspectivas do negócio, que exige apoio governamental e condições de financiamento favoráveis, para enfrentar a concorrência a baixos preços dos chineses e vencer problemas logísticos e de custo para produção desses minerais. As terras raras são encontradas na natureza associadas em pequena quantidade a outros minerais, e o processo de separação até recentemente produzia resíduos corrosivos altamente poluentes.

O projeto de produção de terras-raras no Brasil, com sua transformação em produtos como imãs de alta potência é tema também de negociações de cooperação técnica em inovação com a Alemanha. O governo negocia apoio da fundação Frahnhoffer alemã, e a proposta de transformar a produção de imãs de terras-raras no país em um dos projetos pilotos de cooperação com a Alemanha foi discutida com a missão que, na semana passada, acompanhou a visita do presidente alemão, Christian Wulff, com uma missão empresarial.

"A empresa que reúne mais condições para atuar nessa área é a Vale, minha visão é que (o projeto de produção de terras-raras no Brasil) agregaria muito à Vale", comentou ao Valor o ministro Mercadante, que vê a possibilidade de atrair, para o projeto, a Vale Soluções de Energia, subsidiária da empresa voltada a investimentos em energia sustentável.

Os estudos do ministério, com participação alemã, começaram ainda em 2010, e apontaram o mercado de turbinas eólicas como um dos mais promissores para os futuros imãs de terras-raras a serem fabricados no Brasil. É um mercado que deve aumentar em 1 gigawatt ao ano, nos próximos dez anos, e já há fabricantes de turbinas com essa tecnologia que atuam no Brasil - a GE e a Impsa -, com fábricas no país, As aplicações, porém, são inúmeras, de automóveis elétricos a eletrodomésticos e aparelhos de ressonância magnética.

Hoje, boa parte do uso de terras-raras está concentrado em catalisadores para processamento de petróleo, segundo o professor Osvaldo Antônio Serra, do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP). "Na Argentina também era assim, e eles ficaram sem combustível na Guerra das Malvinas, quando os Estados Unidos suspenderam a venda de catalisadores ao país", lembra o pesquisador. A Fábrica Carioca de Catalisadores (FCC) usa 900 toneladas de um composto de lantânio, uma terra rara, e tem manifestado preocupação com restrições no abastecimento.


Os chineses produzem 97% das terras-raras usadas no mundo. É um mineral indispensável, por exemplo, na produção de telas (displays) eletrônicas usadas em computadores, como os Ipads da Apple, que a empresa taiwanesa Foxconn pretende fabricar também no Brasil. Os preços desses minerais subiram mais de dez vezes nos últimos dois anos, devido ás crescentes restrições ambientais e também ao aumento no consumo da própria China, que hoje absorve 70% da produção interna.

No ministério da Ciência e tecnologia, circula um estudo do pesquisador Chen Zhanheng, publicado no jornal especializado "Journal of Rare Earths", uma publicação científica, que aponta a existência de reservas de terrar raras em 34 países, alguns dos quais, como Austrália e Estados Unidos, decididos a começar a produção. A preocupação em reduzir a dependência em relação à China aumentou após 2010, quando a China embargou as exportações de terras raras ao japão em represália pela prisão do comandante de um barco de pesca chinês em território marítimo sob disputa entre os dois países.

"Consideramos que, se a Vale entrar, teremos a maior mineradora do mundo capaz de dar viabilidade econômica ao negócio", diz Mercadante. Os assessores do ministro reconhecem, porém, que não é simples a criação de condições para dar viabilidade ao projeto, que, se aprovado, deverá começar ainda este ano com apoio de centros de pesquisa e produção em escala muito pequena de óxidos de terras raras para fabricação de protótipos de imãs no país. A reunião de hoje, com a Vale, será decisiva para fazer avançar o projeto, admite Mercadante.


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