Montadoras liberam funcionários para aulas de sindicalismo

Imagine uma empresa liberar toda sua mão de obra para ir ao sindicato dos trabalhadores para um dia de aula sobre sindicalismo. Imagine agora que a empresa, ou as empresas em questão, não são companhias pequenas, mas empregadoras de mais de 70 mil trabalhadores. É o que vai acontecer em São Bernardo do Campo a partir da semana que vem, quando o sindicato dos metalúrgicos do ABC dá início às primeiras turmas de 120 trabalhadores da Mercedes -Benz, primeira fabricante a ratificar o acordo com o sindicato na convenção coletiva de outubro de 2009. Aos cerca de 12 mil funcionários da Mercedes serão somados os 4,5 mil trabalhadores da Ford, que assinaram acordo semelhante nesta semana.

Na Mercedes as inscrições para as aulas já estão abertas. Os trabalhadores serão levados por ônibus ao clube de campo do sindicato, onde ficarão por um dia inteiro em salas com televisões e professores. "O mundo mudou. O sindicato, as empresas e o Estado mudaram ao longo dos últimos 30 anos. E o trabalhador, mais jovem, não conhece essa evolução", diz Sérgio Nobre, presidente do sindicato. A ideia vem sendo discutida desde 2003 quando os membros eleitos nos comitês sindicais constituídos em 96 empresas da região passaram a incluir a reivindicação na pauta negociada anualmente. No ano passado, as montadoras e fabricantes de autopeças concordaram em liberar seus funcionários para o curso. A Mercedes foi a primeira a ratificar o acordo, no fim de junho.

Segundo Marcos Alves, diretor de administração de pessoal da Mercedes Benz em São Bernardo, a montadora avalia que o curso vai "consolidar definitivamente" a relação construída entre empresa e sindicato. "Temos uma negociação permanente com os sindicalistas", diz Alves, que conversou com o Valor ontem, depois da reunião "Quarta Extra", que ocorre semanalmente entre membros da companhia e diretores da comissão de fábrica. "O curso vai ensinar também que negociamos continuadamente há 25 anos", diz Alves, em referência à comissão de fábrica do sindicato na Mercedes, criada em 1984 - a primeira da região.

Criticado no ano passado por conseguir reajuste real nos salários inferior a outros polos automobilísticos, como São José dos Campos, Campinas e Paraná, o presidente do sindicato do ABC avalia que "o trabalhador precisa entender que o sindicato precisa andar junto da região". Para Nobre, "não se pode afugentar as empresas e os investimentos daqui, porque de outra forma o resultado seria pior para os empregos".

Depois de atingir o fundo do poço em 2003, quando a base de metalúrgicos na região do ABC atingiu 77,4 mil trabalhadores, o momento é de aquecimento econômico. No mês passado, a região voltou a bater a marca dos 100 mil operários, recuperando o patamar de 2008, então recorde da década. "O emprego cresce e o trabalhador que entra é cada vez mais jovem", diz Nobre.

Quase 20 mil trabalhadores da indústria automobilística do ABC têm menos de 24 anos de idade. A parcela dos que têm mais de 40 anos, ainda maioria - representando cerca de 35% do total - perde espaço. Na Mercedes, a média de idade do trabalhador, segundo dados do sindicato, é de 32 anos. "Isso quer dizer que a maioria nasceu no fim dos anos 1970, justamente quando ocorreram as grandes greves e os conflitos do sindicato com as empresas e o Estado. Agora a situação é completamente diferente das últimas três décadas", diz Walter Souza, membro do comitê sindical na Mercedes e coordenador do curso, chamado de "Programa Trabalho e Cidadania".

Para dar conta do imenso contingente de trabalhadores, o sindicato já se antecipou. No fim do ano passado comprou um prédio nas cercanias de sua sede por R$ 1,5 milhão, em leilão municipal. O prédio será reformado e deve ficar disponível para aulas no fim do ano. Além disso, realizou em maio aulas-piloto, que serviram de teste para o material desenvolvido. "Assistimos a filmes, fomos apresentados à história do sindicato e das empresas e recebemos CD-ROM e apostilas", diz Priscila Lucena, que trabalha na linha de montagem de caminhões da Ford e participou de uma dessas aulas.

"Não só o sindicato, mas as empresas têm uma história muito rica. As duas instituições são muito importantes para nossa região e eu, que não venho de família de metalúrgicos, não conhecia nada disso", diz Priscila. Com 25 anos de idade e pouco mais de dois na Ford, seu primeiro emprego como metalúrgica, Priscila diz "conhecer agora seu trabalho melhor".

Segundo dados do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Intersindical (Dieese), o salário médio dos metalúrgicos das quatro cidades representadas pelo sindicato do ABC - São Bernardo do Campo, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra - é de R$ 2,9 mil, sendo R$ 2,1 mil nas autopeças e R$ 5,1 mil nas montadoras - os mais altos da indústria no país.


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