Retomada reduz folga, mas importação ajuda indústria


Em abril (último dado disponível), oito de dez importantes setores para a oferta interna de bens e serviços já operavam no mesmo nível de produção do período pré-crise ou com uma folga inferior a 5%. Ao mesmo tempo em que praticamente alcançaram os picos anteriores de produção, a importação desses setores aumentou e a exportação encolheu. Os dados mostram que há exceções, mas a corda está esticando para a maioria da indústria.

Foi escolhido nove setores industriais e analisou a evolução da produção industrial, do emprego e do volume exportado e importado de cada um deles, comparando o momento atual com o auge atingido no pré-crise (para todos, isso ocorreu em algum momento entre o segundo e o terceiro trimestre de 2008), sempre em séries com ajuste sazonal. Depois, a mesma comparação foi feita para avaliar o nível de utilização da capacidade instalada, dado que permite agregar à análise um importante setor para a oferta interna - a construção civil. Por esse dado, a indústria que fornece bens para esse setor já não conhece mais a palavra ociosidade - a folga acabou.

Olhando apenas a produção dos nove setores (fora construção), três deles produziram, em abril, mais do que no auge do pré-crise. E todos esses três - alimentos, calçados e químicos - fizeram isso com um menor número de funcionários, indicando ganhos de produtividade. Esses setores foram capazes de aumentar a oferta com menos funcionários, um sinal de elasticidade de oferta.

"A produção caiu muito mais do que o emprego na indústria, durante a crise. Como é muito caro demitir e contratar no país, o ajuste acontece primeiro na utilização do fator capital", avalia Bernardo Wjuniski, economista da Tendências Consultoria. Assim, a retomada da produção acaba por elevar muito rapidamente a produtividade. Para o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, os ganhos de eficiência são importantes, mas o ritmo dos primeiros meses de 2010 não deve ser extrapolado para o resto do ano. "A produtividade é altamente pró-cíclica, acelerando-se quando a economia se recupera. A questão é que não me parece ter havido aí uma mudança estrutural", afirma ele.

Na indústria de veículos, a produtividade também aumentou, embora o setor ainda não tenha voltado ao mesmo nível de produção de antes da crise, apesar de sucessivos recordes de venda no mercado interno. O problema são as exportações, prejudicadas pela demanda global ainda fraca por produtos manufaturados. O auge alcançado pelas montadoras foi em setembro de 2008, quando atingiu 203,3 pontos.

Em março, último mês de vigência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) reduzido para o setor, o nível de produção atingiu 198,6 pontos, recuando em abril para 195,3 pontos. Ainda parece haver folga na capacidade instalada, uma vez que o nível de utilização da indústria de material de transporte (onde se encontra o setor de veículos) ficou em 88,6% em maio, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). É um número mais de quatro pontos percentuais inferior ao pico do pré-crise. O aumento de produção e a redução da ociosidade nas fábricas ocorreu simultaneamente a um forte aumento das importações, que saltaram 11,3% em abril desde ano sobre o mesmo mês de 2008.

Borges considera a expansão das importações como o fator mais relevante para aumentar a oferta na economia brasileira e, com isso, conter eventuais pressões inflacionárias. Para ele, o aumento das compras externas, impulsionado pelo câmbio valorizado e pela forte demanda interna, é uma alteração estrutural ocorrida nos últimos anos, e que se dá não apenas no caso dos bens finais. Para elevar a sua competitividade, as empresas também compram mais insumos do exterior. "Isso vale basicamente para os setores produtores de bens comercializáveis internacionalmente", diz Borges, ressaltando, porém, que alguns fabricantes de bens não comercializáveis no exterior podem importar parte de seus insumos, beneficiando-se da oferta estrangeira para reduzir custos.

O caso das montadoras de veículos pode ser estendido a outros setores tradicionais do parque industrial brasileiro, como as fábricas de calçados, têxteis e vestuário. O estoque de emprego - que soma os recém-contratados com os já empregados no setor - aumentou do fim de 2008 a abril deste ano, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento.

O segmento de calçados já superou o nível recorde de produção, alcançado em junho de 2008, em 0,7 pontos percentuais. O setor, no entanto, conta com vantagens comerciais frente a outros segmentos - é o único dos dez levantados pelo Valor cujo saldo comercial se ampliou neste ano em relação ao auge, em 2008. A explicação, por outro lado, transcende os investimentos realizados: desde maio de 2009 os calçados chineses recebem sobretaxa para competir no mercado nacional.

"Uma pessoa que está comprando um apartamento não está ruim de dinheiro. Da mesma forma, a indústria que investe, aumenta produção e contrata pessoal não está mal", afirma Fernando Puga, economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). "As elevações dos investimentos e da produção industrial são fatores muito mais determinantes que a queda do saldo comercial da indústria para analisar os efeitos do crescimento", avalia Puga, para quem a economia brasileira passa por um período transitório, em que a demanda das famílias, que ampliam o consumo de bens finais, manufaturados, pressiona a produção nacional e transborda para os importados.

A redução do saldo comercial em nove dos dez setores industriais decorre de um fenômeno triplo, segundo Rogério César de Souza, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi): demanda externa, interna e câmbio. A demanda externa é menor que a vigente antes da eclosão das turbulências mundiais, enquanto o mercado brasileiro se expandiu - como os números de consumo das famílias contidos no Produto Interno Bruto (PIB) do ano passado evidenciam.

A série da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex) sobre volume importado indica que todos os nove setores analisados (não há dados separados na Funcex sobre material de construção) estão enviando uma parcela menor de sua produção ao exterior do que já fizeram em algum momento do passado. Em uma série mensal com ajuste sazonal, o dado indica que em abril o volume exportado ficou entre 7,6% (alimentos) e 30,6% (automóveis) menor do que o pico de bens embarcados para o exterior pelos setores.

"O fabricante nacional acabou sendo incentivado a realocar suas vendas para o mercado interno, porque aqui há demanda e no exterior não", diz Souza. O terceiro fator, o câmbio valorizado, encarece o produto nacional no exterior. A cotação do dólar estava ainda mais desvalorizada no pré-crise - quando rodava a R$ 1,56, menos que os atuais R$ 1,80 - mas essa melhora é contrabalançada pelos descontos nos importados. "Como está todo mundo procurando comprador, as empresas exportadoras estão oferecendo preços mais baixos, especialmente os chineses", diz.

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