Criado gerador quântico de números realmente aleatórios

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Pesquisadores criaram um novo tipo de gerador de números aleatórios que foi certificado como sendo realmente aleatório pelas leis da física quântica.

Geradores de números aleatórios
A geração de números aleatórios é essencial para a criptografia e para todos os mecanismos de segurança utilizados em informática, das senhas de acesso aos computadores pessoais até as transações bancárias pela internet.

O problema é que a aleatoriedade real é surpreendentemente rara - poderíamos dizer, quase impossível de ser alcançada.

Apesar da profusão e da confusão de eventos que ocorrem no dia a dia, que parecem acontecer de forma totalmente arbitrária, nenhum deles é verdadeiramente aleatório no sentido de que não poderia ser previsto se tivéssemos informações suficientes.

Isto se torna um problema quando um programa de computador precisa de um conjunto de números aleatórios para criar uma chave de segurança que restrinja o acesso a um documento sigiloso.

Geradores pseudo-aleatórios
Na prática, os programadores utilizam vários algoritmos matemáticos, chamados "geradores de números pseudo-aleatórios", que lhes permite uma aproximação de um número aleatório ideal.

Mas eles nunca podem estar completamente seguros de que o sistema utilizado para produzir as sequências numéricas seja invulnerável.

Se um hacker tiver acesso às informações suficientes ele poderá deduzir o número "aleatório" repetindo o processo nas mesmas condições, já que computadores não podem jogar dados e costumam dar sempre os mesmos resultados para as mesmas entradas.

Gerador aleatório quântico
Agora, uma equipe de físicos demonstrou uma técnica capaz de produzir uma sequência verdadeiramente aleatória de números, certificada com base nos princípios fundamentais da mecânica quântica.

O trabalho, publicado na última edição da revista Nature, é resultado de uma parceria entre pesquisadores do Joint Quantum Institute (JQI), da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e colegas europeus.

"A física clássica simplesmente não permite a aleatoriedade verdadeira, no sentido estrito," diz o Dr. Christopher Monroe, que liderou a equipe experimental e que já coordenou diversos progressos na área da computação quântica e do teletransporte.

"Ou seja, o resultado de qualquer processo de física clássica pode em última instância ser determinado desde que se tenha informações suficientes sobre as condições iniciais. Somente processos quânticos podem ser verdadeiramente aleatórios - e mesmo assim, temos de confiar que o aparelho é realmente quântico e não tem nenhum remanescente de física clássica nele," explica Monroe.

Caixa preta
Na mecânica quântica, a ciência da matéria e da energia na menor escala possível, as propriedades específicas dos objetos (como a posição de um elétron ou a polarização de um fóton) são por natureza incertas.

Embora a probabilidade de qualquer propriedade particular possa ser calculada a priori, as propriedades assumem valores em particular quando medidas e os valores são intrinsecamente aleatórios.

Assim, em teoria, pode-se obter uma série de números aleatórios realizando uma série de medições quânticas que sejam totalmente independentes umas das outras. "Essa sequência seria natural e intrinsecamente aleatória", diz Dzmitry Matsukevich, coautor do estudo.

"No entanto, a maioria das pessoas provavelmente iria preferir comprar um aparelho quântico em vez de construir um gerador de números aleatórios quântico em casa. Infelizmente, neste caso, é muito difícil garantir que o dispositivo produza uma sequência de números aleatórios que não seja conhecida por ninguém. Por exemplo, em vez de um gerador de números aleatórios realmente quântico, alguém poderia vender-lhe uma 'caixa preta' que tem uma memória cheia de números aleatórios carregados com antecedência. Esse dispositivo provavelmente passaria por todos os testes de aleatoriedade existentes. Mas alguém ainda teria uma cópia de todos os números," explica Matsukevich.

Aleatoriedade privada
Há, no entanto, um procedimento que garante a presença de medições quânticas verdadeiramente aleatórias, geradas apenas em um local e hora definidos - e totalmente exclusivas para esse espaço e tempo em particular. É o que poderia chamar de "aleatoriedade privada".

Esse procedimento foi inventado pelo físico John Bell em 1964 para testar a hipótese central da mecânica quântica: a de que dois objetos - átomos ou fótons, por exemplo - podem entrar num estado exótico chamado entrelaçamento quântico.

Nesse fenômeno, que Einstein chamava de átomos assombrados, os estados de duas partículas quânticas tornam-se tão completamente interdependentes que, se uma medida for realizada para determinar a propriedade de um (o que, evidentemente, será um valor aleatório), a propriedade correspondente do outro é imediatamente determinada também, mesmo se os dois objetos já estiverem separados por distâncias tão grandes que nenhuma informação puder ser trocada entre eles depois que a medição for feita sobre o primeiro objeto - um deles pode ter ido para o outro lado da galáxia, por exemplo.

Desigualdade de Bell
Então Bell inventou um método revolucionário que contava as correlações entre as medições feitas nos dois objetos à medida que os dispositivos de medição eram posicionados em várias orientações diferentes.

Bell demonstrou matematicamente que, se os objetos não estivessem entrelaçados, suas correlações teriam de ser menores do que um determinado valor, expresso como uma "desigualdade". Se eles estivessem entrelaçados, contudo, a taxa de correlação poderia ser maior, "violando" a desigualdade.

Vários tipos de testes de Bell realizados ao longo das últimas décadas em sistemas entrelaçados têm demonstrado essa violação da desigualdade e, assim, confirmado a não-localidade da mecânica quântica. Ou seja, os átomos entrelaçados de fato "agem" simultaneamente em resposta a uma medição em um deles, mesmo se eles estiverem separados por uma distância que impossibilite a troca de informações - algo "assombroso," como de fato disse Einstein.

Criptografia real
Mas a experiência agora realizada foi a primeira a violar a desigualdade de Bell entre sistemas separados por uma distância, sem perder qualquer um dos eventos.



"A violação da desigualdade de Bell só é possível se o sistema obedecer às leis da mecânica quântica," diz Matsukevich. "Desta forma, se verificamos uma violação da desigualdade de Bell entre sistemas isolados, sem nunca perder eventos, podemos assegurar que nosso dispositivo produz a aleatoriedade privada. Nós não precisamos que os átomos estejam muito longe um do outro, apenas o suficiente para que eles possam ser protegidos entre si, como seria feito de qualquer maneira em um ambiente real de criptografia."

Gerador quântico
No experimento, os cientistas colocaram um único átomo em cada um de dois compartimentos completamente isolados, espaçados entre eles por um metro de distância.

Para entrelaçar os átomos, eles usaram o mesmo sistema utilizado no teletransporte quântico entre átomos.

Toda vez que o seu aparelho sinalizava que o entrelaçamento tinha sido alcançado, os cientistas giravam cada átomo ao longo de seus eixos de acordo com uma programação aleatória, usando um feixe de micro-ondas.

Depois de rotacionado, o átomo era excitado por um feixe de laser. Se a rotação tivesse deixado o átomo com o spin "up", ele emitia um fóton em resposta ao laser - o equivalente a um 1 binário. Se a rotação tivesse deixado o átomo com o spin "down", ele não emitia um fóton - o equivalente a um 0 binário. A sequência das leituras produzia então um enorme número binário, totalmente aleatório e imprevisível.

Os cientistas realizaram mais de 3.000 eventos consecutivos de emaranhamento no prazo de um mês, confirmando a violação da desigualdade de Bell e gerando uma sequência aleatória de 42 dígitos binários privativos com um nível de confiabilidade de 99%.

Aleatoriedade verdadeira
"Nós podemos, pela primeira vez, certificar que uma aleatoriedade verdadeira foi produzida em um experimento sem um modelo detalhado do dispositivo," escrevem eles em seu artigo.

Ou seja, o processo se baseia apenas na obtenção do emaranhamento e na execução de operações sobre os objetos emaranhados, e não sobre os detalhes específicos de como o emaranhamento foi alcançado.

Neste estágio, "a taxa de geração de bits aleatórios é extremamente lenta," diz Monroe, "mas esperamos acelerá-la em várias ordens de magnitude nos próximos anos conforme consigamos entrelaçar os átomos de forma mais eficiente, talvez usando sistemas quânticos semelhantes ao átomo incorporados em um chip de estado sólido."