Indústria de manufatura terá que rever mentalidade, diz FAPESP

Fonte - Agência Fapesp - 20/10/2008

Para ter sucesso na economia globalizada, a indústria manufatureira precisará mudar de mentalidade, reavaliando prioridades e investindo em cadeias de valor global.

A proposta foi apresentada por Mitchell Tseng, diretor do Instituto de Manufatura Avançada da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, na última quinta-feira (16/10), em palestra no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo.

O conceito de cadeia de valor designa uma série de atividades relacionadas e desenvolvidas pelas empresas, que vão desde as relações com os fornecedores e ciclos de produção e venda até a distribuição para o consumidor final.

Conhecido por seus estudos sobre manufatura global e customização em massa, Tseng tem atuado tanto em instituições acadêmicas como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) e a Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, como em consultoria para empresas como AT&T, Lucent Technologies, Motorola, Intel e Nokia.

De acordo com Tseng, o valor das manufaturas, atualmente, não está limitado ao ambiente das fábricas, mas ultrapassa limites geográficos e abordagens tradicionais. Para se reposicionar em uma perspectiva global, a indústria manufatureira precisará de uma nova avaliação de capacidades e recursos.

“A maior parte das empresas de manufatura, hoje, coloca mais ênfase nas operações. Mas para ser bem-sucedido na economia global será preciso uma visão mais ampla sobre sua própria atuação, partindo para uma otimização de todo o ciclo de produção, do ponto de vista da cadeia de valor global”, disse Tseng à Agência FAPESP.

Ele propõe sete passos para favorecer a agregação de valor à indústria de manufaturas. O primeiro é a redução de custos extrafábrica – isto é, distribuição, logística, pós-venda e reciclagem. “Na manufatura globalizada precisamos olhar para o custo total. Não podemos ter uma visão restrita ao que ocorre dentro da fábrica”, afirmou.

O segundo passo é a elevação do alcance da indústria manufatureira para além da concepção e da fabricação, com o uso da engenharia para ligar mercado e vendas. O terceiro é a democratização, por meio do empoderamento da força de trabalho e aproveitamento da experiência, especialização e idéias dos membros da cadeia de abastecimento.

“O quarto passo é alavancar os ativos intangíveis, como marca, boa reputação e capacidade de ação em rede. Hoje, as manufatureiras ainda estão muito centradas em seus ativos físicos e na competitividade com base no tamanho da empresa”, afirmou.

Centrar as atenções no consumidor, utilizando tecnologia da informação e procedimentos de controle para melhorar o serviço, alcançando o máximo de personalização, é o quinto passo recomendado pelo especialista.

Em sexto vem a transparência: “É preciso prestar atenção na responsabilidade social, na qualidade, na preservação ambiental e na ética corporativa. O sétimo passo é adotar uma cadeia de abastecimento flexível, pois os meios tradicionais de controle e redução de custos podem não ser suficientes”, disse o membro da Academia Internacional de Engenharia de Produção e da Sociedade Norte-Americana de Engenharia Mecânica.

As sete recomendações apontadas por Tseng exigem, segundo ele, novos conjuntos de habilidades, que devem ser prioridade para o sistema de ensino. “A Universidade de Hong Kong está mostrando o caminho para isso, com o lançamento de um programa mundial de intercâmbio de conhecimentos de fabricação, em parceria com a Universidade Stanford, nos Estados Unidos”, contou.

Segundo ele, não faz sentido para as economias desenvolvidas querer competir com os baixos custos do trabalho no grande volume de produção de bens de baixo valor. “Blocos como a União Européia precisarão utilizar suas habilidades de engenharia e design para desenvolver versões mais sofisticadas dos produtos, além de empregar sua experiência de mercado para encontrar novos clientes para esses produtos”, disse.

Marcas líderes no setor de produtos de luxo são exemplos de como uma empresa pode atuar para se beneficiar de ativos como a excelência no design, segundo Tseng. “Na indústria de ferramentas elétricas, por exemplo, os fornecedores europeus têm aprendido a focar em áreas como pesquisa e desenvolvimento e engenharia de design, enquanto utilizam suas capacidades de centros manufatureiros de baixo custo para satisfazer a demanda”, apontou.

Cada entidade – país, região, empresa ou indivíduo – precisa encontrar sua própria força, que a diferencia claramente de outras, segundo Tseng. “Isso pode ser feito por especialização ou por integração da cadeia de valores, utilizando capacidades de atuação em rede para agregar valor.”

Manufatura oriental

O professor apresentou, durante a palestra promovida pelo IPT em parceria com a Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), uma perspectiva sobre as transformações ocorridas na manufatura oriental nas últimas duas décadas.

Em Hong Kong, segundo ele, a modernização da indústria aumentou o valor agregado, mas esse processo foi acompanhado de um declínio da criação de empregos. “Em 1980, o país tinha 900 mil empregados na indústria de manufaturas. Hoje, temos apenas 180 mil”, disse.

Já a China, embora apresente altas taxas de crescimento e um aumento anual de 22% na produção industrial, permanece com seu status de nação em desenvolvimento basicamente inalterado. “Com a imensa população e o território relativamente limitado, o país está consumindo energia e materiais em uma taxa muito alta. Dentro de 20 anos, terá que importar volumes consideráveis de bens para suprir suas necessidades internas”, afirmou.

O uso cada vez maior de energia para que a China aumente sua produção industrial tem resultado em níveis muito altos de poluição. Essa situação, segundo Tseng, já causa preocupação tanto no governo como na população.

“No atual plano qüinqüenal, o país já assume um compromisso de investir em pesquisa e desenvolvimento para a sustentabilidade. Os objetivos para 2010 incluem redução de 10% nas emissões de poluentes, de 20% no consumo de carvão e de 30% no uso de água, com pelo menos 70% tratada para reúso”, afirmou.

O plano chinês, de acordo com Tseng, também tem o objetivo de atualizar a capacidade tecnológica média da indústria e progredir em direção a uma inovação mais auto-suficiente. “Algumas empresas chinesas estão se interessando por propriedade intelectual e criando demanda para que o governo crie mecanismos de proteção”, disse.


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