Ford adota sisal no Brasil e vai exportar experiência

Foto: Divulgação

Quatro anos de estudo e um bocado de milhões de reais vão fazer com que a Ford coloque no mercado automóveis com peças fabricadas com a fibra do sisal, reduzindo, assim, a quantidade de derivados de petróleo que utiliza. Até o final do ano, algumas unidades do novo Ka, Fiesta, Ecosport, Focus e Ranger já contarão com essas peças. A empreitada, porém, esbarra no início da cadeia de produção do sisal, pouco desenvolvida tecnologicamente, com mão-de-obra pouco ou nada qualificada e que ainda utiliza máquinas perigosas, capazes de mutilar os operadores.

O sisal foi escolhido após teste com outros tipos de fibra, como a juta, coco e cana. O objetivo da Ford é trabalhar com matérias-primas menos agressivas ao meio ambiente e depender cada vez menos do petróleo, fonte de energia não-renovável e que, nos últimos anos, tem sido razão de forte pressão de custos.

Além disso, ao utilizar o sisal para compor até 30% das peças injetadas é possível chegar a uma redução de 10% no peso dos veículos. “Quanto mais leve o carro, mais econômico”, explica Celso Duarte, supervisor de desenvolvimento de produto da montadora. O uso da fibra também será feito em peças moldadas, como os painéis.


Processo de extração da fibra do sisal

Os novos modelos de carros que utilizem matérias-primas alternativas como a juta também serão mais baratos. A projeção da multinacional é que os preços fiquem entre 3% e 8% menores.

Os pesquisadores do projeto, batizado pela Ford de EcoProject, conseguiram substituir por sisal o polipropileno com carga e os compostos com cargas de fibra de vidro. O sisal é uma fibra flexível que se mescla facilmente com o polipropileno e que, quando sofre choques e quebra, não forma pontas. Isso aumenta a segurança dos passageiros.

A montadora procurou aumentar a quantidade de matéria-prima reciclada e reciclável em seus veículos. As peças injetadas terão além de 30% de fibras de sisal em sua composição, 50% de polipropileno reciclado e 20% de polipropileno virgem. Esse composto será 100% reciclável. Quem produzirá esse insumo não será a Ford. Ela cederá a patente da tecnologia a seus fornecedores de polipropileno como a Dow e a Autometal.

A Ford detém as patentes dessas peças de fibra de sisal e pretende levar isso a outros países e montadoras. “Vamos exportar as peças para agregar valor. Já temos empresas interessadas na Europa”, diz o supervisor da empresa. Nos países europeus há leis que obrigam montadoras a utilizarem peças recicláveis e recicladas nos carros. A partir de 2010, a demanda pelas peças com sisal deve aumentar significativamente, já que a Europa exigirá que 75% dos componentes dos automóveis sejam recicláveis e 30% sejam reciclados.

Por enquanto, quem se anima com a novidade trazida pela Ford são os produtores brasileiros de sisal, especialmente os da cidade de Valente, considerada a capital do sisal pelo volume produzido. A montadora está em negociação com os agricultores da cidade do sertão baiano para que sejam seus principais fornecedores.

Para isso, porém, eles precisarão investir em equipamentos para serem utilizados no campo. Enquanto a entidade que reúne boa parte dos agricultores, a Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira (Apaeb), tem uma fábrica bem estruturada capaz de processar a fibra, transformá-la em fios, carpetes, tapetes e cordas, falta tecnologia no processamento inicial da planta.

A máquina responsável por descascar a folha do sisal fica no meio das plantações, é movida a diesel e construída de forma improvisada. José Elias Lima trabalha há 50 anos com o sisal. Suas mãos ásperas e ágeis colocam as folhas na máquina. O movimento deve ser rápido e preciso. Uma parte da folha entra para ser descascada e aí aparecem os fios esbranquiçados do sisal. A outra parte fica em sua mão e ele precisa estar atento para que seus dedos não entrem no buraco que suga e descasca a planta. Se isso acontecer, ele ficará como outras 2 mil pessoas da Bahia: mutilado, sem algum dedo, sem parte da mão ou até mesmo do braço.

“Vida de pobre não é fácil. O negócio é perigoso”, diz o agricultor. Hoje, com os 45 hectares de sisal que cultiva e mais algumas cabras e ovelhas, Lima emprega sete pessoas e garante renda mensal de R$ 1,2 mil. Mesmo mal tendo freqüentado bancos escolares, o sertanejo está, assim como o “povo da cidade grande”, sempre se atualizando. Em sua casa estão pendurados 21 certificados de cursos de aperfeiçoamento na área agrícola.

Quem sabe o próximo não será para aprender a usar uma nova máquina que não decepe mais mãos e braços. A Apaeb desenvolveu um protótipo que evita o contato das mãos com o equipamento. Precisa, contudo, de mais capital para fazer ajustes que permitam o uso desse novo equipamento em larga escala e com segurança.

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