Realidade virtual muda rotina na fábrica da Volkswagen


As etapas de desenvolvimento e todo o processo de produção do novo Gol, automóvel que será lançado no próximo domingo, puderam ser simplificadas graças à simulação, em ambientes virtuais, das etapas de manufatura agora implantadas no mundo real. A fachada da fábrica de meio século de existência, às margens da via Anchieta, em São Bernardo do Campo (SP), onde o modelo começou a ser produzido, ainda remete ao início da história da indústria automobilística no país. Mas, por dentro, começou a funcionar uma fábrica digital, com ferramentas virtuais que substituem o que antes era feito manualmente. Essa tendência, que visa sobretudo queimar etapas de desenvolvimento e reduzir custos, começa a propagar-se nas linhas de montagem.

"O uso das ferramentas digitais não tem limites; nos próximos cinco anos teremos muito mais protótipos de carros feitos com uma realidade virtual ainda não aplicada no Brasil", prevê o diretor de manufatura da Volkswagen, Marco Antonio Teixeira. Para preservar o impacto do lançamento do novo Gol, a Volkswagen não revela muitos detalhes de como o avanço tecnológico ajudou no desenvolvimento do projeto do produto. Mas, desta vez, não foi apenas na concepção do desenho das peças do carro que a informática foi envolvida. Toda a fábrica - sistema de transporte dos componentes, layout das etapas de produção e até posicionamento ideal do trabalhador na linha de montagem - recebeu um empurrão da tecnologia da informação.

A Dassault Systemes, um dos principais fornecedores da Volkswagen, trabalha para toda a indústria automobilística nos principais países. Segundo o gerente de vendas da empresa na América Latina, Klaus Muller, o setor utiliza recursos virtuais no desenvolvimento do produto e processos de manufatura. Mas o maior desafio, daqui para a frente, será inserir o consumidor nesse ambiente. "Seria muito interessante a pessoa poder entrar no carro virtualmente, antes de sair de casa para ir até a loja compra-lo", afirma o executivo.

Muller propõe um passo além, que ainda encontra resistência nas montadoras, habituadas a guardar em segredo os detalhes de um novo automóvel até o dia do seu lançamento. Para o executivo da Dassault, o ideal seria o consumidor poder, por meio de uma experiência virtual, em casa, dar palpites no carro que ele gostaria de comprar, antes mesmo do seu lançamento. "Software não pode ser só para especialistas; tem de ser algo acessível para que o consumidor possa interagir com o produto antes de ele chegar ao mercado", destaca.

Os fabricantes de veículos já começaram a economizar nos testes de impacto, os chamados "crash tests", que avaliam a resistência e segurança dos automóveis. "Hoje, ao invés de jogar dez veículos contra a parede, três ou quatro já serão suficientes se o teste for antecedido de muita simulação virtual", diz Muller. Os serviços que essas empresas vendem para a indústria automobilística incluem acesso a um banco de dados comum a toda a cadeia de fornecedores de peças.

Mas até que ponto a indústria poderá parar de bater as portas de um veículo sucessivas vezes e transferir um teste como esse para o computador? O teste real, afirma Muller, vai parar quando o fabricante tiver confiança no virtual.

Já no chamado "chão de fábrica", as ferramentas virtuais começam a facilitar o funcionamento da linha de produção. Recursos assim podem ajudar a elaborar a seqüência da produção. Um carro é montado em várias etapas. Se a engenharia de manufatura perceber, por meio da simulação digital, que há processos em excesso em determinada estação de montagem, basta transferir alguns deles para a etapa seguinte ou anterior na simulação do computador. A tempo, portanto, da instalação das máquinas que farão o trabalho real. É o momento, por exemplo, de instalar os faróis antes do pedal de freio, ou vice-versa.

Outro recurso que a indústria automobilística começou a usar é a antecipação do trabalho do operário. A simulação da repetição das tarefas, comum numa linha de montagem, pode ser feita com bonecos virtuais. Um dos recursos que mais chamam a atenção é a marcação das partes do corpo desse manequim com cores que variam conforme a sobrecarga. Isso facilita um novo arranjo na ergonomia. Às vezes, esses sinais indicam que em determinada etapa da montagem do veículo é preciso ter uma pessoa mais baixa.

Na fábrica da Volkswagen de São Bernardo, que começou a recorrer ao mundo virtual desde o lançamento do Pólo, há seis anos, já foram feitas modificações reais graças a simulações virtuais. Por meio desse recurso, foi possível alterar antecipadamente a altura da plataforma que sustenta o trabalhador que monta o motor. Para os especialistas, o elemento humano é o mais imprevisível no mundo real; por isso é que deve ser cercado com mais cuidados nas simulações do processo virtual.