O ano passado enfraqueceu a tese de desindustrialização


O desempenho robusto da indústria em 2007 coloca em xeque a tese de desindustrialização da economia brasileira. Mesmo com a forte valorização do câmbio, o setor cresceu 6% no ano passado - acima do esperado para o conjunto da economia - com destaque para a alta de 19,5% da produção de bens de capital, o que ajuda a explicar a alta projetada de mais de 13% do investimento na construção civil e em máquinas e equipamentos.

As estimativas apontam ainda para a continuidade do forte crescimento da produção industrial em janeiro, e as estatísticas já divulgadas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram uma expressiva geração de empregos no segmento no mês passado.

Para alguns analistas, os números sepultam a idéia de que há um processo de desindustrialização em curso, mostrando a vitalidade das empresas do setor.

Há quem diga, porém, que uma expansão significativa num ano não invalida a idéia de que a indústria perde importância na economia, com enfraquecimento dos elos produtivos, e que o segmento tende a se especializar em setores produtores de commodities. A forte queda do saldo comercial da indústria seria um sinal preocupante.

Crescimento

O ex-diretor do Banco Central (BC) Alexandre Schwartsman, economista-chefe para a América Latina do ABN Amro, diz que o desempenho de 2007 é sinal inequívoco de que não há processo de desindustrialização no país. "O resultado da produção industrial é clara nesse sentido", afirma, destacando não apenas a magnitude da expansão como também setores que mostraram maior dinamismo.

Ele nota que, entre os cinco setores com maior expansão, nenhum é produtor de commodities (os segmentos que mais cresceram foram máquinas e equipamentos, veículos automotores, máquinas para escritório e equipamentos de informática, máquinas, aparelhos e materiais elétricos e outros equipamentos de transporte).

Todos eles têm conteúdo tecnológico entre médio e alto, afirma ele. Mesmo com o dólar barato, tiveram um crescimento expressivo. As estimativas apontam para um avanço, em janeiro, de 1% a 1,5% da produção em relação a dezembro, na série livre de influências sazonais.

"Enquanto as lideranças empresariais fazem terrorismo, os empresários trabalham e empregam", diz ele, destacando o avanço do emprego industrial em 2007.

Os números do Caged mostram que em 2007 houve um saldo de 395 mil vagas no segmento, 60% a mais do que no anterior. Em janeiro deste ano o cenário continuou positivo: a indústria de transformação gerou 59 mil postos de trabalho, o grande destaque entre os 143 mil mil novos empregos.

Para Schwartsman, o câmbio valorizado permitiu uma importação maior de bens de capital - houve alta de 32% nas compras externas desses bens em 2007 - e também abre espaço para um maior crescimento do mercado interno. A demanda doméstica foi a grande estrela do ano passado, com a alta expressiva do consumo das famílias e do investimento.

Contradições

O consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Gomes de Almeida, está na ponta oposta do debate. Para ele, está sim em curso um processo de desindustrialização, mas é algo que se capta na análise da evolução da indústria no longo prazo. O crescimento expressivo em um ano ou outro não invalida a tese, diz ele.

Com base em números da Pesquisa Industrial Anual (PIA) mais recente, de 2005, ele ressalta que há uma concentração maior da produção industrial. Em 1996, os cinco principais setores respondiam por 51,8% do valor de transformação industrial (VTI), número que passou para 58,4% em 2005.

Além disso, houve queda no período da relação entre o valor da transformação industrial (VTI) e o valor bruto da produção industrial (VBPI), que, segundo ele, mede o uso de insumos importados para o conjunto da indústria ou a transferência de produção e de valor agregado para o exterior.

De 1996 até 2005, a a relação VTI/VBPI passou de 47,1% para 42,9%. O recuo indica "um enfraquecimento dos elos produtivos da produção nacional e é um sintoma de desindustrialização", aponta um estudo do Iedi.

O professor Paulo Gala, da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também diz que a desindustrialização é um processo que só se percebe em prazos mais longos. "Não é porque a indústria cresceu com força num ano que se pode dizer que o processo foi interrompido."

Como Almeida, ele diz que o crescimento de 2007 se baseou numa forte expansão do mercado interno, num cenário de queda dos juros reais e alta do crédito.

O problema, para ambos, é que esse cenário não deve se repetir sempre. Gala considera um problema o fato de a balança comercial hoje depender muito do desempenho das exportações de commodities, que se beneficiam da disparada das cotações internacionais. "Isso pode se manter por alguns anos, mas os preços de commodities são mais instáveis", diz Gala, para quem seria importante manter um superávit comercial robusto também no caso de produtos manufaturados.

Segundo números calculados pelo Iedi, de 2006 para 2007 a balança de manufaturas sofreu uma forte reversão, saindo de um superávit de US$ 5,9 bilhões para um déficit de US$ 7,9 bilhões. "É uma virada muito forte num espaço curto de tempo", diz Almeida.

Para ele, o resultado se deve em grande parte ao câmbio, que se valorizou muito nos últimos anos. Ele destaca a inversão de tendência registrada em alguns setores importantes, como a de bens de capital, químico e automóveis e autopeças.

O grupo maquinaria e bens de capital saiu de um déficit de US$ 1,9 bilhão em 2005 para um buraco de US$ 2,6 bilhões em 2006 e de US$ 6,6 bilhões no ano passado.

Segundo Almeida, é um setor normalmente deficitário, o que é desejável, já que a importação de bens de capital ajuda a modernizar a economia. O problema seria a rapidez e a magnitude da mudança.

No grupo de veículos rodoviários e autopeças, o superávit encolheu de US$ 6,8 bilhões em 2005 para US$ 4,5 bilhões em 2007. Para Almeida, o recuo se deve principalmente à perda de competitividade causada pelo câmbio.

"A compensação pelo aumento das vendas no mercado interno veio depois", diz ele. Para Almeida, esse movimento é uma pena, porque o Brasil estava num movimento de conquistar um espaço importante como exportador de veículos.

Otimismo


O chefe do departamento da área de pesquisa econômica do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Fernando Puga, tem uma visão positiva sobre a robustez da indústria. Para ele, as importações têm complementado, e não substituído, a produção doméstica.

O que ocorre no setor de bens de capital seria emblemático desse processo: as compras externas desses produtos crescem muito - 32% em 2007 - sem impedir que a fabricação local cresça a um ritmo de quase 20%. O aumento do emprego e do investimento na indústria também o levam a afastar a idéia da desindustrialização.

Puga também rejeita a tese de que a produção se concentra nos setores ligados à commodities. O desempenho de bens de capital e de veículos indica que a indústria mantém a robustez.

E a queda na balança de manufaturas? "É algo que se deve mais ao aquecimento do mercado interno. No setor automobilístico houve redução do volume exportado porque se direcionou uma parcela maior da produção ao mercado doméstico."