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Institutos do Senai voltados à inovação em manufatura e processamento a laser focam em internacionalização

Luís Gonzaga Trabasso, pesquisador-chefe, conta nessa entrevista ao CIMM como a estrutura, sediada em Joinville, funciona

Pesquisador-chefe do Instituto Senai de Inovação em Processamento a Laser e do Instituto Senai de Inovação em Sistemas de Manufatura, Luís Gonzaga Trabasso explica nesta entrevista como o modelo de hélice tripla é aplicado às atividades que desenvolve, de que maneira as soluções desenvolvidas atendem às necessidades da indústria e como os institutos vêm ganhando projeção nacional e internacional. Confira:

Stefani Ceolla: Em Joinville existe o Instituto Senai de Inovação em Sistemas de Manufatura, com seis laboratórios, e o Instituto Senai de Inovação em Processamento a Laser. Você pode explicar como esses institutos funcionam e são financiados?

Luís Gonzaga Trabasso: Aqui tem, além do sistema de manufatura, o processamento a laser no mesmo prédio. Então há laboratórios compartilhados em termos de uso. Igual a esse instituto aqui tem mais 24 no Brasil. O primeiro dado importante é que esse instituto é 100% sustentável, então todas as pessoas que estão aqui, todos os pesquisadores, que vão desde iniciação científica dos cursos de graduação, não só do Senai, mas da UFSC, Udesc e outras universidades, até pós-doutorado, recebem bolsa ou são contratados, e esses recursos vêm de projetos. Eu sou formalmente professor aposentado do ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica] e lá montei um centro de manufatura que previa que todo projeto partia de uma demanda da indústria. É isso que também fazemos aqui. 

SC: O que é produzido e estudado nos laboratórios? Como vocês identificam as demandas da indústria?

LGT: A gente não faz aqui uma pesquisa básica, é pesquisa aplicada. Nesse modelo, a gente segue três degraus. O primeiro é nosso cartão de visita ou pro bono. Por exemplo: uma empresa precisa de peças com maior resistência à fadiga. A gente faz alguns estudos preliminares e não cobra isso da empresa. Aí, depois, a empresa vê que deu certo e nos passa como gostaria de fazer. Então entram nossos Serviços Tecnológicos Especializados (STE), e para isso a gente cobra. Isso é financiado diretamente pelas empresas. São projetos ou trabalhos na faixa de R$ 20 mil a R$ 100 mil. 


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Quando passamos por essa fase - e as vezes se vai direto nesse último degrau - são projetos de grande monta, em que a gente conta com recursos da empresa e de fontes de fomento, que são várias. Trabalhamos com pesquisa aplicada, dentro da faixa TRL [Technology Readiness Level] 3 a 7. TRL é uma escala que foi desenvolvida pela Nasa para medir o nível de maturidade tecnológica. A faixa que a gente trabalha é de um demonstrador funcional pleno. É um demonstrador, não um processo que vai ser colocado diretamente na produção. Só que ele atende plenamente todas as funções necessárias para ser usado depois. Isso ocorre porque nós não competimos com as empresas de automação, nós levamos a solução até que ela seja viável do ponto de vista funcional. 

São duas perguntas-chave que eu sempre respondo “não”. Se perguntam se a gente pode dar assistência técnica, a resposta é não. Se a gente dá manutenção, também não. Não é o nosso escopo, isso é escopo de uma empresa de automação. Como então a gente passa de um demonstrador para uma solução? Isso é conhecido como “vale da morte". Existem algumas coisas que estão lá mas não prosperaram em termos de aplicação industrial. Por isso é uma preocupação nossa buscar o mais cedo possível uma empresa de automação ou relacionada para fazer o pilotamento do demonstrador para uma solução de mercado. 

Nem sempre é fácil fazer isso. Vou dar um exemplo: na Petrobras, com quem a gente trabalha bastante, ao sinalizarem que querem essa solução para o mercado, as providências em relação à propriedade intelectual, patentes, são todas tomadas. Então esse estágio de demonstrador é suficiente para que as empresas de propriedade intelectual emitam a patente, que geralmente é partilhada entre nós e as empresas que estão financiando. As agências de fomento não têm interesse nisso. A nossa intenção nem é ganhar royalties com isso, claro que é sempre bem-vindo, mas queremos a garantia da propriedade intelectual. 

SC: Quais são as principais demandas da indústria hoje?

LGT: A gente trabalha bastante com automação da manufatura, principalmente para diminuir o índice HHER [homem hora exposto ao risco]. Então elaboramos soluções para diminuir a exposição dos operadores ao risco nas operações de manufatura. Na Petrobras, por exemplo, uma atividade feita sempre é a pintura de plataformas offshore. No lugar do trabalhador ficar em andaimes ou fazendo rapel, desenvolvemos um robô que pinta. Desenvolvemos também um robô submarino para fazer a manutenção de tubulações de petróleo. 

SC: Os institutos seguem o modelo de hélice tripla? Existe a parceria entre iniciativa privada, poder público e universidades?

LGT: Hoje o Senai tem uma forma de financiamento dentro do programa Rota 2030 para o setor automotivo. São várias modalidades. Nesse caso, o Senai entra com 58,5% de recursos não reembolsáveis, a empresa ou as empresas entram com 20%, e também tem contrapartida do governo. Tem também o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], a Embrapii [Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial], que financiam projetos. O instituto que é credenciado na Embrapii é o de processamento a laser, não o de manufatura. E eu só posso usar o recurso da Embrapii se o projeto tiver a competência técnica credenciada, nesse caso o laser. Mas como os institutos estão no mesmo espaço físico, vários projetos contam também com a manufatura. Os dois institutos são muito próximos. 

SC: Os institutos atendem empresas do Brasil todo?

LGT: Não só do Brasil. Dentro do cronograma de crescimento do instituto, neste décimo primeiro a meta é a internacionalização. Temos hoje aqui cinco projetos com parceiros internacionais, e a parceria é parecida com o que ocorre aqui, no modelo da tríplice hélice: tem uma agência de fomento, um instituto, e as empresas. O que acontece geralmente é que os recursos financeiros no projeto internacional não cruzam as fronteiras. Eu não envio dinheiro para lá e nem recebo de lá. O que a gente faz é identificar nas rubricas recursos para viagens internacionais, estadias, feiras. Temos um projeto com a República Tcheca em que dois dos nossos pesquisadores foram para lá, ficaram 15 dias para realizar ensaios. Ontem tinha aqui um pessoal da Espanha, interessado em fazer convênio conosco. A internacionalização é a bola da vez. Todos aqueles três degraus valem para o trabalho internacional. A gente está agora fazendo uma cotação para a Agência Espacial da Índia, na área de manufatura aditiva, para fazer peças de foguetes. Não é de fato um projeto, se encaixa no segundo degrau, que é o STE. 

SC: Em 2020, o Senai entregou uma nova estrutura de manufatura avançada em Joinville. Pode me explicar como funciona?

LGT: É um hub de 2 mil metros quadrados, com sete empresas residentes. São ambientes de projeto, não são escritórios. As empresas usam nossa mão-de-obra e no mesmo ambiente tem um braço da Faculdade Senai de Engenharia Mecânica e de Engenharia de Produção. Então esses alunos têm aula lá e fazem projetos junto com as empresas. Eu promovi essa integração. Aqui a gente tem também duas salas de aula super modernas. 

ST: Você citou projetos bastante robustos. Quantas pessoas estão envolvidas hoje pelos serviços prestados nos laboratórios?

LGT: São em torno de 90 pesquisadores, sendo 45 em cada instituto, desde a iniciação científica até o pós-doc.