Pesquisa usa feixes de elétrons para criar novos materiais em larga escala

Microscopia eletrônica de transmissão tem sido amplamente utilizada no processamento e fabricação de novos materiais

O pesquisador João Paulo de Campos da Costa, da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, em colaboração com pesquisadores da UFSCar, desenvolveu um equipamento inovador que modifica materiais semicondutores e não metálicos. Utilizando a irradiação por feixe de elétrons, esse sistema permite manipular as propriedades dos materiais sem a necessidade de utilizar substâncias químicas tóxicas que possam contaminar o meio ambiente. As minúsculas partículas modificadas (de 0,000001 a 0,0001 milímetros) podem ser usadas no combate a bactérias, fungos e tumores. Além disso, o sistema de irradiação por feixe de elétrons (Ebis, na sigla em inglês) apresenta uma vantagem significativa em relação a máquinas similares, sendo mais acessível em termos de custo, tamanho reduzido e facilidade de operação.

É crescente a demanda por materiais com propriedades e funções que possam ser customizáveis por meio da aplicação controlada de luz ou elétrons. Por isso, a microscopia eletrônica de transmissão tem sido amplamente utilizada no processamento e fabricação de novos materiais. No entanto, a dificuldade com a injeção controlada de feixes de elétrons em microscópios eletrônicos tem sido a modificação e a produção em larga escala de materiais. A mecânica apresentada pelo pesquisador supera o desafio em uma escala semi-industrial.

O sistema de irradiação por feixe de elétrons oferece aprimoramentos na área de materiais e nanotecnologia, com maior precisão e eficiência. Imagem: NanoLab/EESC-USP

Irradiação de materiais em larga escala

O engenheiro explica ao Jornal da USP que, com a nova tecnologia, as reações agora poderão ser aplicadas a novos campos de pesquisa: “O objetivo do trabalho foi criar um equipamento portátil com custo-benefício capaz de irradiar materiais em larga escala, o que não era possível nos microscópios eletrônicos comerciais.


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Os resultados obtidos incluem a criação de diferentes estruturas aplicáveis a sensores de gases, modificação de superfícies para prevenir a replicação de vírus, incluindo o da covid-19, e aprimoramento de biossensores para diagnóstico médico. Além disso, os materiais irradiados também podem ter aplicações na remoção da contaminação causada pela indústria, como a degradação de corantes lançados em rios.

"A irradiação de elétrons consegue criar estruturas inovadoras, que não foram obtidas na literatura [científica]. Isso porque a quantidade de elétrons aplicada em um determinado material modifica a sua morfologia, e consequentemente a sua propriedade. O problema é que, por ser muito cara, não era possível fazer essa produção em larga escala”, esclarece o cientista. “A grande vantagem desse desenvolvimento é que o equipamento possui um custo significativamente menor, em torno de US$ 40 mil, em comparação com tecnologias similares que variam de US$ 500 mil a US$ 3 milhões", diz o pesquisador. 

O sistema de irradiação

O sistema de irradiação é composto de uma fonte de alta tensão, um canhão de elétrons e uma câmara de vácuo. A energia dos elétrons gerada pelo canhão é aumentada por meio de três eletrodos - de baixa, média e alta tensão - projetados com uma abertura central para a aceleração uniforme dos elétrons. Este sistema pode ser controlado por um computador ou manualmente, permitindo ajustar a tensão aplicada, o feixe, a corrente do filamento, o aquecimento do material irradiado e a injeção de gás e o vácuo. O ajuste desses parâmetros garante a reprodução da modificação desejada.

A aplicação do sistema de feixe de elétrons no fosfato de prata possibilitou obter pela primeira vez a formação de um filme de prata sem a necessidade de agentes redutores ou solventes. No grafite, os elétrons induziram o enrolamento das camadas, resultando na formação de fulerenos (agrupamentos de carbono em forma de bola de futebol) e tubos de carbono com várias camadas em uma estrutura inédita em formato de bastão.

O fosfato de prata é uma substância que, na sua forma natural, já é altamente bactericida e antiviral e, por isso, usada em desodorantes. “Uma das aplicações que nós vimos é o revestimento de superfícies das máscaras contra a covid. Essas estruturas impedem a replicação do vírus, o que evita a contaminação da pessoa. Todos esses materiais podem também ser impregnados em superfícies através de sprays e de pintura para revestir superfícies em diferentes áreas”, conta Costa.

Segundo o orientador da pesquisa, João Paulo Pereira do Carmo, professor do Ddepartamento de Engenharia Elétrica da EESC, a maior vantagem é o custo-benefício da máquina confeccionada: “A grande dificuldade atual é encontrar equipamentos com capacidade de processar os materiais em escala industrial e que simultaneamente permitam uma produção em série, dissolvendo o investimento inicial de desenvolvimento que, aliado ao uso de componentes comerciais de uso corrente, diminua o custo final”.

A inovação apresentada, apesar de seu custo substancialmente menor em comparação com alternativas similares, oferece aprimoramentos significativos na área de materiais e nanotecnologia, com maior precisão e eficiência. Esses avanços têm o potencial de trazer benefícios tanto para a ciência quanto para a indústria.

O pesquisador teve a coorientação de Elson Longo, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e diretor do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF) onde a pesquisa foi realizada. “Uma aplicação promissora dessa tecnologia é o revestimento de superfícies com materiais nanoparticulados modificados pelo feixe de elétrons, que podem ser impregnados em superfícies por meio de sprays ou pintura. Além disso, essa tecnologia também contribui para a síntese de novos materiais semicondutores, que têm ampla aplicação em diversas áreas, especialmente na eletroeletrônica, oferecendo potenciais avanços nesse campo” explica Longo.

A construção do equipamento, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), também contou com uma equipe multidisciplinar, com colaboração dos professores Adenilson Chiquito e Leonélio Cichetto Júnior, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e de Juan Andrés, professor da Universitat Jaume I (UJI), da Espanha.

*Imagem de capa: Depositphotos