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Pandemia ensina que colaboração é essencial para o desenvolvimento da inovação, dizem especialistas

O nível de inovação de um país depende de inúmeros critérios, como políticas públicas voltadas a empresas e universidades, ampliação e acesso a financiamentos, redução de burocracias e melhor relação de cooperação entre universidades e empresas. Embora alguns índices se baseiem no número de patentes registradas, o poder de inovação de uma nação vai além dos números oficiais, mas da necessidade de tornar o conhecimento científico parte de um ecossistema inovador que favoreça diferentes segmentos de uma sociedade.

A essa altura, você já deve ter ouvido falar da Hélice Tríplice, ou Triple Helix, desenvolvida por Henry Etzkowitz e Loet Leydesdorff. O conceito, criado em 1990, aborda o ecossistema ideal de inovação, que consiste na colaboração centrada em três hélices: governo, universidades e empresas; tirando a indústria do centro da inovação. Para especialistas, a tríade sustenta o ecossistema inovador, que depende de diferentes ações relacionadas a essas três hélices. 

A pandemia escancarou a necessidade de colaboração entre os três, igualmente fundamentais, elementos desse ecossistema. A corrida pela vacina mobilizou empresas, organizações e instituições de ensino e o governo para encontrar soluções à crise sanitária.

Um estudo divulgado em maio de 2020, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), indica que, além da corrida para descobrir uma vacina ou um medicamento que combata a doença, governos em todo o mundo têm destinado recursos financeiros para fortalecer empresas de inovação e projetos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) que invistam em ciência e tecnologia de insumos de saúde pública.

Mas o que isso tem a ver com a relação da inovação, como na indústria 4.0? 

A colaboração se torna essencial para a manutenção da inovação de um país, em diferentes segmentos. Enquanto o Canadá investia 11,8% de seu orçamento federal em P&D para ações em pesquisa e inovação contra o novo coronavírus, em 2020, o Reino Unido investia 10,8%, a Alemanha, 6,3%, e os Estados Unidos, 4,1%; no Brasil, essa porcentagem não chegou a 1,8%, mesmo diante de uma crise global.


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Mas antes mesmo da pandemia, os investimentos em P&D no Brasil mostravam decréscimos alarmantes. Segundo nota do Ipea divulgada em abril de 2020, com dados de 2014 a 2017, pela primeira vez no Brasil, houve simultaneamente uma queda da taxa de inovação, e um decréscimo na proporção de investimentos em P&D sobre a receita do país e em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). 

“O mais importante dos indicadores de inovação no país, que é o volume de investimento empresarial em P&D em relação ao PIB, caiu de 0,58% para 0,50% do PIB entre 2014 e 2017”, ressaltou uma das autoras do trabalho, Fernanda de Negri, economista e pesquisadora do Ipea. Segundo a pesquisadora, a crise na Petrobras e a queda de políticas públicas com incentivo à inovação no triênio levaram a esses resultados.

Foco na colaboração

Uma cultura de baixo investimento em inovação dificulta os avanços em pesquisa e desenvolvimento em diferentes setores econômicos, inclusive na indústria. Enquanto países investem largamente na Indústria 4.0, e em tecnologias que sustentam o ecossistema da manufatura avançada, o Brasil ocupa o 62ª no ranking global de inovação, com 131 países, segundo o  Índice Global de Inovação (IGI).

Para os especialistas que se reuniram no Fórum de Manufatura de 2021, ocorrido em março, para o Brasil avançar no desenvolvimento de inovação e, consequentemente, da indústria 4.0, o ecossistema da Hélice Tríplice precisa funcionar harmoniosamente. Elvis Fusco, Coordenador do Centro de Inovação Tecnológica de Marília (CITec-Marília) e do Centro Incubador de Empresas de Marília (CIEM), um dos palestrantes do evento, afirma que a colaboração entre os três eixos, governo, indústria e universidades é essencial para isso. 

“As empresas não conseguem ser melhores que os ecossistemas”, disse. Fusco exemplifica que, para uma região se desenvolver, é preciso pensar no papel do governo, enquanto aplicador de políticas públicas e de incentivos à inovação. Da mesma forma, as universidades precisam estar abertas para o mercado privado, e não somente atender às demandas do governo, analisou.

Rogério W. Andrade, VP senior de Product Supply Latam para Crop Science, da empresa química e farmacêutica Bayer, disse que não precisamos ter todas as respostas para conseguirmos fomentar uma região. “Não existe uma bala de prata para resolver todos os problemas, precisamos pensar de uma maneira aberta e conjunta, com soluções abertas (...)”.

Nesse sentido, Bruno Stefani, Diretor de Inovação Global da AB InBev, empresa multinacional de bebidas e cervejas, lembra da importância de se trabalhar de forma colaborativa e como é possível avançar dessa maneira, a exemplo do que ocorreu no mundo todo durante a pandemia.

“Nunca se falou tanto em cooperação e colaboração, isso se destacou com a pandemia, aprendemos muito rapidamente como dá pra construir soluções, exatamente pq todas as maiores mentes do mundo estão imbuídas de construir uma solução. nós tínhamos muitos paradigmas, que no meio da pandemia conseguimos romper, disse Stefani. “A cooperação em ecossistema e saber abrir as grandes corporações pra gente trabalhar junto é a nova regra.

Stefani lembra ainda que a lógica é a mesma: “tudo começa da necessidade do cliente”.  “2020 ensinou o quão ciência é importante e 2021 mostra que podemos ir muito além da saúde com isso”, disse.