Estudo avalia mercado brasileiro para produtos feitos com CO2

Objetivo é contribuir para a mitigação dos efeitos das emissões de gases do efeito estufa

O estado de São Paulo foi apontado em um estudo como o melhor local no Brasil para a instalação de usinas para a conversão e utilização do dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases de efeito estufa, na manufatura de produtos. Os resultados detalhados da pesquisa, realizada por um grupo do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), foram publicados na revista científica Frontiers in Energy Research e indicam ainda quais os produtos à base de CO2 são mais promissores para o mercado brasileiro.

Os pesquisadores verificaram que São Paulo possui ao mesmo tempo uma das maiores quantidades disponíveis no país de CO2 para conversão, pois tem em seu território ou próximo usinas termoelétricas que são grandes emissoras do gás, e alta demanda por possíveis produtos feitos à base de dióxido de carbono. De acordo com o estudo, são oito os produtos à base de CO2 mais promissores dentro do mercado brasileiro, pertencentes a quatro grupos: materiais de construção (concreto e agregados de carbonato); intermediários químicos (metanol, gás de síntese e ácido fórmico); combustíveis (combustíveis líquidos, metano); e polímeros (polióis e policarbonatos).

O uso do dióxido de carbono como matéria-prima para sintetizar diferentes produtos químicos e materiais ou como combustível tem sido objeto de estudos no Brasil e no exterior como uma forma de reduzir os gases de efeito estufa (GEE). Embora não seja considerado o gás com os piores efeitos ao ambiente, o CO2 é responsável por mais de 70% das emissões de GEE. Os outros quase 30% são compostos basicamente por metano (CH4), óxido nitroso (N2O) e gases fluorados (F-gases). "A conversão de CO2 em combustíveis ou produtos químicos é uma solução atraente, que, além de reduzir os GEE, fornece fontes alternativas de lucro a partir da venda de produtos manufaturados", escreveram os pesquisadores no artigo.


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Eles estimam que até 10% do dióxido carbono emitido poderia ser usado nesses processos. Os pesquisadores citam que, no mundo, em 2010, foram lançados 37 bilhões de toneladas de CO2 e que entre 0,4% e 0,5% do carbono emitido já era consumido em processos industriais, como na produção de ureia e de metanol, por exemplo.

Ao produzir cerca de 1,7 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2) em 2016, o Brasil aparece como o sexto maior emissor de CO2 do mundo, destaca o estudo. Com as descobertas do pré-sal e decisões governamentais tomadas nas últimas décadas, houve um aumento da parcela do gás natural na matriz energética no país, trazendo como consequência uma tendência de crescimento nas emissões de dióxido de carbono. Os pesquisadores ressaltam a importância de o Brasil adotar políticas de baixo carbono, citando ainda o Acordo de Paris, de 2015, no qual o país propôs reduzir suas emissões em 37% até 2025, com base nas suas emissões de 2005.

"Há uma quantidade enorme de emissões de CO2 que poderiam ser utilizadas no Brasil na produção de insumos que hoje são importados, como a ureia, o metanol e o ácido acético", ressalta o professor Claudio Augusto Oller do Nascimento, vice-diretor do Programa de Físico-Química do Fapesp Shell Research Centre for Gas Innovation (RCGI) e coautor do artigo. "Esses insumos hoje são praticamente todos produzidos a partir de petróleo. E poderiam ser feitos a partir do CO2."

Fertilizante de importância crucial para a agricultura brasileira, a ureia é um exemplo de produto já feito a partir de CO2. Grande parte da ureia consumida no país hoje, no entanto, é importada. "O Brasil é um país grande exportador de commodities agrícolas e fica dependendo de fertilizantes de outros lugares e fechando fábricas produtores de ureia aqui", observa Oller do Nascimento.

Já o metanol é uma matéria-prima muito demandada pela indústria química, que o usa na produção do gás formaldeído (que na sua forma líquida tem o nome de formol), de solventes e de combustíveis e aditivos.

Os policarbonatos são polímeros (plásticos) moldáveis quando aquecidos e, por isso, chamados de termoplásticos. São inúmeras as suas aplicações, como em faróis de automóveis ou janelas, em luzes de trânsito, em óculos e em DVDs.
O ácido fórmico ou metanoico -- outro produto à base de dióxido de carbono bastante promissor dentro do mercado brasileiro, segundo o estudo -- é usado no processamento do couro, em tratamentos medicinais e como fixador de corantes em tecidos.

Entre outras aplicações práticas da tecnologia de utilização de CO2, os pesquisadores destacam a fabricação de produtos usados para fazer extintores de incêndio, aparelhos de ar condicionado, embalagens de alimentos, limpeza a seco, aditivos para bebidas e até para o tratamento da água.

"Este trabalho propôs um método que visa analisar o mercado brasileiro para potenciais produtos feitos a partir da conversão química do CO2, assim como predizer o comportamento desse mercado em 2030", diz o artigo. De acordo com os pesquisadores, o método também pode ser aplicado a outros países.

A fim de prever os valores de 2030, o estudo investigou a previsibilidade das importações e exportações de 13 produtos químicos entre o ano 2000 e 2018. Verificou-se, por exemplo, que a quantidade média de importação de ureia, metanol e ácido acético apresenta tendência a aumentar. Os três também foram os produtos com o maior valor de importações. Os custos da importação apresentam ainda tendência a aumentar.

A maioria das tecnologias de utilização do CO2 ainda está na fase de pesquisa e desenvolvimento, mas os pesquisadores ressaltam que há vários trabalhos colaborativos em andamento entre pesquisadores, startups e corporações na Europa e na América do Norte, indicando um grande potencial para atividades similares no Brasil. "Este trabalho contribui para esse desenvolvimento", concluem os autores no artigo.