ZF eleva apostas tecnológicas para crescer

Companhia centra esforços em aquisições e parcerias para desenvolver mobilidade inteligente

A ZF vem aumentando consistentemente o cacife de suas apostas tecnológicas para crescer no atual ambiente disruptivo da indústria automotiva. A empresa não esconde sua ambição de ser o fornecedor preferencial dos “olhos, cérebro e membros” dos veículos de um futuro não muito distante, que já começou a ser projetado. Para isso, parecem não bastar os pesados investimentos próprios em pesquisa e desenvolvimento, que já superam € 2 bilhões por ano (foram € 2,5 bilhões em 2018), a companhia alemã vem centrando esforço em aquisições e parcerias para viabilizar suas ambições. 

Em 2015 a ZF fez sua maior compra, gastou cerca de US$ 12 bilhões para adquirir a TRW e agregar algo como € 9 bilhões ao seu faturamento com o fornecimento sistemas de direção, freios, sensores, airbags e segurança ativa para modelos de automóveis e comerciais leves. Este ano anunciou a compra da Wabco por US$ 7 bilhões, adicionando mais controles de chassi e freios de caminhões e ônibus ao seu portfólio, o que segundo especialistas deverá elevar as receitas globais para além dos € 40 bilhões/ano (em 2018 as vendas somaram € 36,9 bilhões). Mas não é só: nos últimos anos a ZF intensificou investimentos em participações de diversos níveis em empresas que dominam tecnologias de autonomia veicular, como a fabricante holandesa de transportadores autônomos 2getthere, e fechou parcerias importantes para desenvolvimento de câmeras com a Mobileye e processadores de inteligência artificial de alto desempenho (o tal “cérebro dos carros”) com Nvidia e Baidu (o equivalente chinês do Google). 

“A indústria automotiva enfrenta imensos desafios e nós enfrentamos isso com investimentos, a compra da Wabco é mais um exemplo dessa estratégia”, afirma Wolf-Henning Scheider, CEO global da ZF.


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O executivo fez um balanço das principais tecnologias que a empresa desenvolve para os próximos anos em apresentação à imprensa internacional que antecedeu o ZF Global Technology Day 2019, realizado no início deste mês em Dresden, Alemanha. “Estudamos as tecnologias e focamos esforços onde elas terão mais impacto na mobilidade do futuro para atender as necessidades de eficiência, sustentabilidade e condução autônoma. Vemos nisso uma oportunidade de crescimento. Queremos ser um fornecedor líder em transporte autônomo”, explicou Scheider. 

Futuro escalonado do veículo autônomo

A ZF trabalha simultaneamente em duas estratégias para fornecer sistemas de direção autônoma para veículos: uma para já, a partir de 2020, outra para além de 2030. Para isso a empresa já desenvolveu em conjunto com a Nvidia processadores de diversos níveis, que interpretam informações e câmeras, sensores, radar e lidar e controlam atuadores mecatrônicos de direção, aceleração, freios e suspensão. 

“Claro que não podemos só investir. Nesse caminho também temos de fazer dinheiro para garantir a construção do nosso futuro. O mercado ainda não paga por níveis 4 e 5 de automação veicular, por isso vamos oferecer isso gradualmente, começando com o nível 2+ já em 2021, que oferece toda a automação disponível com o motorista ainda no comando”, diz Wolf-Henning Scheider.

A aposta inicial no nível 2+ de autonomia está em um pacote completo de assistências autônomas ao motorista, como frenagem automática, assistente de direção para manter o carro em sua faixa de rodagem e controle adaptativo de velocidade de cruzeiro (ACC), suficientes para atender a legislação europeia de segurança veicular. Para isso já foi desenvolvido uma central de inteligência capaz de processar de 15 a 30 terabytes de operações por segundo. 

É quase nada perto do ZF ProAI RoboThink, um processador modular que integra cinco centrais eletrônicas para veículos autônomos níveis 4 e 5 capaz de administrar de 150 a 600 terabytes de operações por segundo. A ZF testa atualmente na Alemanha uma van Mercedes-Benz Vito equipada com tecnologia autônoma nível 5, que já nem tem mais direção disponível para o motorista. Em vez deles, usa dez câmeras, sete radares, seis lidars (espécie de radar infravermelho) e um microfone para captar o som ambiente. Todos esses sinais são interpretados pelo superprocessador em comandos de direção, frenagem, aceleração, cintos de segurança, sem interferência humana. 

“O setor automotivo nunca enfrentou tanta disrupção. Perto de 60% do valor de um carro no futuro será sua capacidade de processamento de dados. A digitalização mudou o jogo e nós estamos utilizando a tecnologia pesadamente para aprimorar os sistemas veiculares”, indica Dirk Walliser, vice-presidente global de desenvolvimento da ZF.


Este é um caminho ainda longo e complexo, que exige investimentos vultosos de alto risco. Validar as tecnologias de um carro comum requerem de 400 mil a 1 milhão de quilômetros rodados em testes. Para um veículo autônomo nível 4 a 5 essa exigência ultrapassa os 2 milhões de quilômetros – e ainda não há permissão legal em nenhum país para testar autônomos em ambientes urbanos. 

É preciso prever uma variedade quase infinita de cenários para atingir a meta autoimposta da ZF, a Vision Zero, de zero acidentes, sem implicações éticas de deixar o carro escolher onde bater, conforme explica Jürgen Schmidt, gerente de pesquisa responsável pela validação de sistemas de direção autônoma. “Não há cenário ético possível. O objetivo é não ter de escolher nada, é evitar a colisão”, enfatiza. 

Por ora, a ZF aposta em oferecer sistemas para veículos autônomos que operam em ambientes confinados – por isso compro este ano 60% do controle a 2getthere, empresa holandesa que já fornece transportadores autônomos. O micro-ônibus autônomo 2getthere Shuttle leva até 22 pessoas e já opera dentro do aeroporto de Bruxelas, na Bélgica, e em 2020 deve ser adotado em uma via exclusiva em Roterdã, na Holanda, para ligar uma estação do metrô a um bairro. 

Para montar o quebra-cabeças da autonomia veicular a ZF tem cerca de 400 engenheiros trabalhando na sede em Friedrichshafen, na Alemanha, mas este contingente deve subir para mais de 600 nos próximos anos, com abertura de novos centros de pesquisa e desenvolvimento na Europa.