O papel do biogás na matriz energética do Brasil

Fonte: Ecopress - 21/08/07

Tudo indica que os investimentos em geração no País serão insuficientes para atender a demanda de energia a partir de 2011. Dependemos de uma quantidade de chuva acima do normal nos próximos anos para que o País não precise passar por outro racionamento. Dentro desta perspectiva, a eficiência energética é definitivamente o caminho mais adequado para a garantia do abastecimento, trazendo equilíbrio ao sistema e contribuindo para a segurança energética do futuro do País. Sob esta ótica, é decisivo destacar o papel do biogás na diversificação da matriz de energia do Brasil, e portanto é fundamental sua regulamentação definitiva pelo governo federal.

Temos hoje duas fontes de gás natural: os poços existentes em nossas fronteiras e o gasoduto Brasil-Bolívia. Com capacidade para 30 milhões de metros cúbicos por dia, o Gasbol opera em sua capacidade máxima. Pelo nosso lado, nossos poços estão, em sua maioria, localizados no litoral. Como o Brasil não tem uma rede nacional de distribuição de gás, como tem de energia elétrica, não é viável o transporte desse gás em longas distâncias. Portanto, mesmo que fosse possível aumentar a produção com a entrada em operação dos poços em nosso território, algumas partes do País continuariam com escassez de oferta de gás natural.

Entre as alternativas disponíveis para o aumento da oferta e equilíbrio desta conta, a solução certamente será composta de uma mistura de alguns fatores, entre eles uma maior e melhor rede de distribuição com gasodutos, a inserção do gás natural líquido à matriz energética nacional e o aproveitamento do biogás existente no País. E é neste último vetor em que o governo federal - através da ANP e da Aneel - deveria atuar para regulamentar a produção e o aproveitamento energético do biogás, que hoje está, em sua grande maioria, sendo queimado no Brasil sem nenhum proveito econômico.

O biogás é produzido pelo tratamento ambientalmente correto de 3 fontes de lixo: a do Resíduo Sólido Urbano, a do esgoto urbano e a do agronegócio. Tratado adequadamente, com tecnologias disponíveis, o biogás atende às especificações técnicas do Gás Natural exigidas pela ANP e serve como matéria-prima para a geração de energia elétrica e térmica, sendo desta forma uma alternativa economicamente acessível para diver-sas localidades que têm problema de suprimento energético. Não podemos esquecer que o nosso País é um dos maiores geradores de lixo do mundo, portanto de biogás. Somos o maior agronegócio do planeta e temos a quinta maior população urbana e sabemos da condição crônica de má gestão de lixo que impera no Brasil. Para aproveitar este potencial, com o olho em segurança energética, temos a obrigação de excelência na gestão energética do biogás, adicionando valor ao desperdício com resultados positivos para a sociedade. Com isso em mente, é interessante verificar que o Brasil é auto-suficiente em gasolina e praticamente auto-suficiente em diesel, assim como líder mundial na produção de combustíveis renováveis que substituem esses derivados de petróleo.

No entanto, não tem um plano de substituição do gás natural, exatamente o ativo que não está disponível na nossa matriz energética. Enquanto o álcool combustível é uma realidade e o biodiesel substitui uma parcela importante do consumo de diesel no País, há biogás sendo queimado no Brasil enquanto a indústria e os geradores de energia estão sem gás. São queimados hoje no Brasil cerca de 1.000.000 m3/dia de biogás e, com isso, se produziria cerca de 500.000 m3/dia de Gás Natural Renovável "(GN-R)" - metano filtrado do biogás, em pleno acordo às especificações exigidas pela ANP. Considerando este número, já seria possível substituir 1,6% de todo o gás comprado da Bolívia. Parece pouco, mas o Programa Nacional Produção do Biodiesel demorou alguns anos para chegar a esta marca, o "B2". Se considerarmos o potencial de expansão do mercado de biogás nos próximos cinco anos, o Brasil estaria apto a substituir mais de 27% de todo o gás natural proveniente do Gasbol ou produzir 1.6 GW de energia elétrica, aproximadamente 40% da energia média que será gerada no complexo Rio Madeira.

O que falta então para uma aceleração dos investimentos no setor de aproveitamento energético do biogás se existem locais com potencial de produção de biogás muito maiores do que alguns dos poços maduros de gás leiloados recentemente? Hoje, vasta parcela do biogás produzido é queimado pela falta de regulamentação do setor que incentive os empresários e governos a aproveitá-lo energeticamente. A ANP reconhece o biogás, através de uma Nota Técnica de Fevereiro de 2007, como um biocombustível, mas não regulamenta as bases para sua utilização energética nem define que o biogás pode vir de outra origem que não os aterros sanitários.

A nossa proposta é criar o Programa Nacional de Aproveitamento do Biogás para incentivar a produção e uso energético do biogás, permitindo o aperfeiçoamento do manejo dos resíduos agrícolas e urbanos e ampliando o acesso à energia. Enquanto a Aneel incentiva o uso do biogás através da resolução que elimina os custos de transporte da energia elétrica gerada por biogás, a Lei do Gás, que está em trâmite no Congresso Nacional e é do âmbito da ANP, deve incluir políticas de promoção do mercado de biogás. Sugerimos a possibilidade de inserção do GN-R nos gasodutos, a criação de alternativas para minimizar os custos de distribuição de biogás, a criação da obrigação de substituição do gás natural pelo biocombustível e o aumento os incentivos fiscais e financeiros para projetos de eficiência energética envolvendo o uso do biogás.

Está claro que o biogás não é, e nunca será, uma solução macro para a oferta de energia nacional. O biogás é uma fonte descentralizada de aproveitamento de um combustível disponível e acessível, que pode aumentar a segurança de abastecimento e atenuar pressões de preços na matriz energética. Acima de tudo, o aproveitamento energético do biogás é fator que contribui à redução do aquecimento global e, mais que isso, incentiva a produção de energia limpa do lixo, e por isso deve ser considerado na pauta das importantes discussões energéticas do País.