Para FCA, Brasil é oportunidade, Argentina ainda é desafio

Presidente da FCA para América Latina, Antonio Filosa, demonstra otimismo e reforça planos para a região

“Temos grandes oportunidades e desafios na América Latina: o desafio é a Argentina, que perdeu mais de 50% dos seus volumes [de vendas] só em janeiro; e a oportunidade é o Brasil.” Foi com esta citação do CEO global da FCA Fiat Chrysler, Mike Manley, que o presidente da subsidiária latino-americana do grupo, Antonio Filosa, transmitiu a visão global e o otimismo da companhia para com o momento atual do mercado brasileiro, que contribuiu de forma favorável para o resultado financeiro recorde da companhia referente ao ano passado.

“Em 2018 tivemos crescimento importante na região da América do Norte [Nafta] e América Latina [Latam] e com essas duas regiões conseguimos entregar resultados históricos”, reforçou Filosa durante um encontro com jornalistas na sexta-feira, 8, em São Paulo, ao comentar o balanço financeiro global da empresa divulgado um dia antes.

Na América Latina, a soma das vendas de Fiat e Jeep em 2018 resultaram no aumento de 10% no comparativo anual, ao atingir as 566 mil unidades, sendo o Brasil o principal responsável pelo desempenho positivo: foram mais de 434 mil veículos vendidos por aqui, avanço de 14% na mesma base de comparação. Com isso, a FCA confirma que o mercado brasileiro compensou parcialmente a forte queda dos negócios na Argentina, que enfrenta profunda crise econômica e onde as vendas da FCA caíram 6%, para 99 mil unidades em 2018.

A FCA não detalha e Filosa não comenta se houve perdas financeiras na Argentina. Seu balanço mostra que os resultados gerais na região foram satisfatórios graças a uma combinação de fatores, como o maior volume na região como um todo, composto por produtos de maior valor agregado (mix), além de uma política de margens preservadas. Com isso, o Ebit regional ajustado mais que dobrou (+138%) em 2018 com relação ao ano anterior, totalizando € 359 milhões. Segundo o relatório financeiro da FCA, o Ebit da América Latina foi equivalente ao registrado na região EMEA, que inclui Europa, Oriente Médio e África.


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O resultado no Brasil, segundo Filosa, é fruto do esforço de trabalhar como uma empresa multimarca e apostar no nicho de mercado que mais cresce atualmente antes mesmo de seu boom de vendas: os SUVs.

“Terminamos mais uma vez com o Jeep Compass como o SUV mais vendido no Brasil, com 55% de market share no segmento (compacto médio). Na Argentina, a participação chegou a 44%”, comemora o executivo, que também destaca a liderança no segmento de picapes e veículos comerciais leves com a Fiat.

Otimista e confiante, Filosa aposta na continuidade do crescimento do mercado brasileiro, baseado nos novos rumos previstos para o cenário macroeconômico a partir de decisões a serem conduzidas pelo novo governo. Ele projeta um aumento de 8% a 11% do volume de veículos novos no País em 2019, para algo em torno de 2,6 milhões de unidades. Além disso, o executivo trabalha com estimativa de crescimento do PIB em 2,5%, com inflação e juros estáveis.

“Acredito que este será o ano das famílias, elas estão demonstrando confiança e será um ano altamente competitivo em termos de liberação de crédito, com alta de até 15%”, estima. 

O fato de a Fiat ter encerrado 2018 como terceira colocada do ranking de marcas no Brasil, atrás de GM/Chevrolet e Volkswagen, não preocupa Filosa, apesar de ser clara a mudança sutil do discurso. Isso porque em novembro passado, durante o Salão do Automóvel de São Paulo, o executivo declarou que a FCA queria a liderança de volta (a Fiat foi líder de mercado por 14 anos, até perder o posto em 2016 para a General Motors).

“Uma posição confortável é quando você entrega resultado financeiro confortável”, resume. “Nosso CEO [Mike Manley] pautou-nos e desde antes, com o Marchionne, já era assim, de levar uma gestão financeira saudável, com liderança nos resultados. Claro, tem espaço para crescer e queremos crescer, não queremos ser pequenos, mas vamos como FCA, como marcas juntas”, disse.

Planos a todo vapor

No ano passado, em junho, a FCA anunciou seu novo plano global quinquenal, no qual contemplava um novo ciclo de investimentos para o Brasil estimado em R$ 14 bilhões até 2023. Segundo o plano, serão 25 novos produtos, entre lançamentos, renovações, séries e versões especiais, além de novas soluções em motores, conectividade e sistemas de infoentretenimento pelos próximos cinco anos.

Entre os lançamentos, Filosa confirma a chegada da nova picape RAM 1500, lançada nos Estados Unidos em 2018 e exibida durante o Salão do Automóvel de São Paulo. Sobre ela, especialistas do mercado cogitavam a possibilidade de sua produção por aqui: “Estamos estudando, mas não há nada definido. É um projeto difícil, talvez o mais complexo de todos, ainda há muito o que trabalhar sobre ele. É o tipo de produto que mais vai crescer nos próximos anos no segmento de picapes, não sabemos se vai ser feita aqui, em Pernambuco, ou México ou ainda fora desse trecho”, aponta.

Filosa explica que a empresa está se organizando em termos de produção entre as duas marcas. Para a Jeep, a ideia é trabalhar com plataformas globais, como já acontece com o Renegade, fabricado tanto no Brasil quanto na Ásia ou Europa. “São estruturas de custos baseadas em escala global, com fornecedores globais”, reforça.

Já a Fiat, marca que está sendo gradualmente reduzida na Europa, seguirá mais forte na América Latina, com produtos regionais e fornecedores globais.

“Teremos duas plataformas modulares que servirão de base para modelos de diferentes tamanhos, incluindo os comerciais leves. Até 2023, todos os produtos de Betim (MG) serão montados com base nessas duas plataformas”, afirma. Ele lembra que atualmente a fábrica mineira trabalha com quatro plataformas para a produção de todos os modelos Fiat disponíveis no mercado.

“As fábricas devem ser multimarcas porque os mercados são cíclicos. Outra coisa: o carro que se produz aqui [no Brasil] é até 35% mais caro que o mesmo veículo feito em outro lugar. Por isso, o País precisa criar competitividade gradual para que, de forma também gradual, possa abrir seu mercado”, defende.

Argentina

Em sua análise, Filosa diz que uma recuperação verdadeira da Argentina só deve acontecer a partir de 2020, por volta do segundo trimestre. “É um mercado extremamente cíclico. Este acordo histórico que fizeram com o FMI está sendo cumprido e os primeiros indicadores são de que parece ter chegado a uma estabilização”, disse.

Ele se refere ao câmbio: o peso argentino sofreu forte desvalorização em 2018, mas agora “segue estável”. O executivo concorda que o país vizinho deve enfrentar ainda mais problemas adiante, principalmente em outubro, quando terá novas eleições presidenciais. “Obviamente vai ter uma oscilação da inflação; em termos de mercado, deve ainda ter uma queda abrupta até julho, depois uma retomada suave a partir de agosto”, disse e brinca com a fala de seu chefe global: “O Mike diz que ventos contrários são fatores a gerenciar, não são desculpa.”

O presidente da FCA para a região da América Latina aposta que as vendas de veículos na Argentina devem ter nova queda este ano, mas em proporção muito menor que a de 2018. “No ano passado, as vendas caíram mais de 20%, mas neste ano deve fechar em 600 mil, ou 5% abaixo de 2018”, indica.

Para ele, a crise no país vizinho deve durar em torno de dois anos e explica que tal descompasso entre Brasil e Argentina não deve afetar os planos para os próximos anos na região. “O que temos agora foi pensado para dez anos. Claramente, as exportações [do Brasil para Argentina] vão cair, mas o mercado brasileiro vai crescer e as vendas tendem a aumentar para demais países: o Chile, Peru e Colômbia são mercados importantes. Mas o que vamos fazer até 2023 está muito claro e vamos fazer os ajustes necessários”, finaliza.


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