Dispositivo transforma vibração de helicópteros em eletricidade

Energia pode ser reaproveitada na aeronave, que também ganha em vida útil, velocidade, segurança e conforto

Na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, pesquisadores desenvolvem um dispositivo para reduzir a vibração produzida pelas pás dos helicópteros. Chamado de Smart Piezoelectric Pitch Link (SaPPL), o equipamento utiliza materiais que convertem vibrações em energia elétrica conectados a circuitos eletrônicos, aumentando a vida útil, velocidade, segurança e conforto da aeronave. O dispositivo também coleta a energia de vibração durante o voo, que pode ser usada em outros sistemas de baixa potência do helicóptero. A patente do equipamento é intermediada pela Agência USP de Inovação (Auspin).

“Aeronaves de asas rotativas apresentam, em vários casos, níveis elevados de vibração e ruído que acarretam desconforto e até danos à saúde de seus usuários frequentes. Uma das fontes de vibração mais expressivas neste tipo de aeronave é a interação entre as pás elásticas de seu rotor principal e o ar”, afirma Marcel Clementino, que integra a equipe do projeto. “Parte significativa dessa vibração é transmitida do rotor principal para a fuselagem através das hastes de comando de passo, conhecidas na literatura pelo termo técnico, em inglês, pitch links.”

Clementino diz que os pitch links hoje usados em helicópteros são componentes mecânicos rígidos (hastes metálicas). “De modo geral, eles conectam um dos sistemas de comando da aeronave a cada uma das pás do rotor principal”, conta. “Os benefícios proporcionados pela redução dessas vibrações são bem conhecidos e incluem aumentar a vida útil da aeronave, reduzir os custos de manutenção e aumentar a velocidade máxima de voo à frente, além de aumentar o conforto dos passageiros. Sem dúvidas, é um dos grandes desafios da indústria de helicópteros.”


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Segundo o pesquisador, há algum tempo existe um grande esforço da comunidade científica e da indústria em desenvolver dispositivos que permitiriam reduzir a vibração transmitida através do pitch link. “Ainda não há dispositivos desta categoria disponíveis no mercado, embora alguns já tenham sido apresentados, em artigos de periódicos e patentes, considerando diferentes abordagens para o mesmo problema”, destaca. “A proposta do projeto é incluir funcionalidades adicionais ao pitch link que, além de proporcionar o controle do comando da aeronave, como ocorre com o rígido tradicional, permitiria reduzir vibração e realizar a coleta de energia.”

Estrutura flexível

O SaPPL é dotado de uma estrutura eletromecânica flexível. O dispositivo possui um material piezelétrico (que atua na transformação da vibração em energia elétrica) chamado Macro Fiber Composite (MFC), acoplado a placas metálicas elásticas e a um circuito eletrônico. “As placas compõem a estrutura interna do dispositivo e esta estrutura transfere os esforços mecânicos entre as pás do helicóptero e sua fuselagem. Ao girar, as pás vibram e essa vibração é transmitida ao pitch link”, descreve Tarcísio Silva, pesquisador que colaborou com o desenvolvimento do circuito. “O dispositivo é capaz de aumentar a dissipação de energia de vibração ou modificar a rigidez efetiva do pitch link quando o circuito eletrônico processa o sinal elétrico vindo dos materiais piezelétricos”.

Como a estrutura é dotada de vários materiais piezelétricos, alguns deles podem ser conectados a diferentes circuitos para realizar coleta de energia, acrescenta o pesquisador. “Todo esse conjunto fornece ao sistema a característica de atenuação de vibrações e de coleta de energia e seu reaproveitamento para alimentação própria e de outros sistemas úteis, acopláveis às pás de um helicóptero”, destaca. “Até o momento, os dispositivos modificados apresentados na literatura possuem a função exclusiva de reduzir vibração ou reaproveitar energia de vibração, mas não a combinação das funções em um único dispositivo.”

Devido ao fato do SaPPL utilizar um circuito eletrônico para atingir este objetivo, uma característica importante do sistema é a flexibilidade quanto à utilização de diferentes circuitos piezelétricos pela simples substituição do circuito. “Isso permite o emprego de diferentes técnicas de redução de vibrações que podem se ajustar a situações distintas”, ressalta Clementino. “O dispositivo está em fase de testes, com protótipo construído e ensaios realizados em escala reduzida. Neste sentido, foram obtidos resultados promissores.”

O projeto teve origem na pesquisa de doutorado de Clementino, orientada pelo professor Carlos De Marqui Junior, da EESC. Os ensaios com o SaPPL foram realizados em uma torre giratória (em inglês, whirl tower) localizada na Carleton University (Canadá). A instalação é coordenada pelo professor Fred Nitzsche, co-orientador do doutorado, e reproduz, em escala reduzida, um rotor de uma pá que comporta a instalação de dispositivos pitch link. “Os ensaios foram realizados com o intuito de verificar o desempenho do SaPPL em condições semelhantes àquelas encontradas por helicópteros em escala real, durante voo pairado.”

O pesquisador ressalta que há um projeto em execução financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), coordenado pelo professor De Marqui Junior, para construir uma instalação semelhante à torre canadense no Laboratório de Aeroelasticidade da EESC, a qual poderá contribuir para acelerar o processo de desenvolvimento do SaPPL. “A patente está em análise no Inpi e há um longo caminho para que se torne um produto”, observa. “A meta é conseguir apoio entre as indústrias para continuar o projeto.”