Brasil terá norma para redução de gás poluidor

Fonte: Abiodiesel - 31/07/07

Certificação deve sair até final de setembro e ajudar empresas a calcular emissão de carbono. Está prevista para o final de setembro a publicação de uma norma brasileira focada no impacto dos gases de efeito estufa. É a NBR 14064. Versão nacional da certificação ISO 14064, lançada no ano passado pela Organização Internacional para Padronização (ISO, na sigla em inglês), a nova norma integra a já famosa família das ISO 14000, que estabelecem regras para uma gestão ambiental de qualidade. "A norma pretende contribuir para que as organizações possam calcular, de forma única e globalizada tanto suas emissões quanto a absorção de carbono", explica Haroldo de Lemos, presidente do Conselho Técnico da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e superintendente do Comitê Brasileiro de Gestão Ambiental (CB38).

Vice-presidente do comitê técnico da ISO responsável pelo desenvolvimento das normas 14000, Lemos atribui a criação de uma certificação específica para gases de efeito estufa ao aumento da demanda do mercado de créditos de carbono. Por meio desse sistema, uma corporação pode tanto vender à outra o que não gastou como cota de emissões, quanto comprar o equivalente em crédito de carbono quando as emissões ultrapassam o volume máximo permitido.

No Brasil, ao contrário do que ocorre na Europa, as metas de emissão de carbono não são obrigatórias. Porém, a comercialização tem se tornado prática comum na esteira dos compromissos ambientais de um conjunto cada dia maior de empresas que desejam implantar políticas de sustentabilidade. Nesse sentido, a ISO 14064 terá a função de ensinar organizações públicas e privadas a calcular o impacto ambiental ocasionado pelo lançamento de gases de efeito estufa, a procurarem uma auditoria externa - regulamentada pela irmã 14065 - e, por fim, a criarem e manterem projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), que minimizam impactos e quitam uma dívida da empresa com o meio ambiente.

Forte apelo
Segundo a engenheira química Maria Ângela Cardoso, da divisão de Gestão Integrada SMS da consultoria KeyAssociados, outra motivação latente para a elaboração da norma é a agenda das mudanças climáticas, transformada em prioridade nos últimos anos por conta de relatórios como do Painel Intergovernamental em Mudança do Clima (IPCC), e acordos como o Protocolo de Kyoto. Maria Ângela conta que na Europa, as empresas já vinham, há anos, compensando o desequilíbrio causado por suas emissões e a certificação acabou sendo uma forma de validar e divulgar esses esforços. "Aqui no Brasil, o grande apelo é a responsabilidade social empresarial. Hoje, uma empresa séria em RSE está preocupada em mostrar, além de seu sistema de gestão e atendimento às leis, o controle das emissões de , ainda que este tema não seja compulsório", diz.

Na opinião da especialista, a nova norma poderá ser adotada por qualquer instituição, independentemente do porte e do tipo de negócio. Não precisa nem ser necessariamente poluidora. "Algumas instituições financeiras, por exemplo, estão preocupadas com o mercado de créditos de carbono porque o tema reforça sua política, cultura e mentalidade de responsabilidade social", explica. Lemos adverte, no entanto, que a certificação é uma ferramenta útil e importante, mas que pode não interessar a todo tipo de organização. "A 14064 é para qualquer empresa que deseja trabalhar com créditos de carbono. Só que há muitas que não liberam tantos gases, ou não têm como reduzir as emissões", observa ela.

Ainda segundo o executivo da ABNT, empresas sem interesse específico na comercialização de carbono, o foco da nova norma, poderão continuar a recorrer ao suporte da ISO 14001, aplicável a qualquer tipo de organização que deseje simplesmente fazer gestão ambiental adequada.

Para Maria Ângela, apesar de as duas normas serem independentes, exigem quesitos semelhantes, o que as torna, portanto, instrumentos complementares. "Se você emite no meio ambiente, isso é um impacto ambiental. Pela 14001, portanto, é necessário realizar um tratamento dessa interferência, assim como pela 14064", exemplifica.

Os dois executivos identificam vantagens na implementação da ISO 14064. O primeiro e mais óbvio, segundo Lemos, da ABNT, está na padronização. "A aprovação de um projeto que segue uma norma é muito mais fácil de ser obtida. Como a certificação detalha o modo correto de desenvolver projetos e medir impactos, ninguém precisa inventar métodos. Além disso, projetos mensurados com critérios diferentes levam a resultados diferentes" comenta ele.

Reação em cadeia
Ângela acredita que a certificação pode também interferir nas práticas de responsabilidade social da empresa, estabelecendo, por exemplo, que o relacionamento, na cadeia de valor, deva ser apenas com fornecedores que possuam princípios, valores e cultura semelhantes. Afinal, se uma organização está empenhada em diminuir as emissões de gases de efeito estufa, precisa assegurar-se de que seus parceiros adotam a mesma prática. De outro modo, as emissões dos fornecedores serão contabilizadas como emissões indiretas da empresa.

Outro benefício gerado pela norma será a possibilidade de ingresso da organização no lucrativo e promissor mercado de créditos de carbono. À parte o interesse de retorno financeiro imediato, certificações como a ISO 14064 são especialmente boas para fortalecer a reputação e a imagem da empresa em tempos de valorização da cultura de sustentabilidade. "A corporação ganhará em abertura de portas e divulgação do seu perfil", afirma Maria Ângela. Por fim, além dos benefícios diretos para a própria organização, uma certificação com esse propósito de disciplinar a emissão de carbono produzirá bons dividendos para a qualidade do meio ambiente como um todo.

Aperfeiçoamentos
Hoje, a certificação 14064 está pronta para ser usada internacionalmente. No Brasil, encontra-se traduzida, aguardando a publicação. Segundo Maria Ângela, porém, é preciso, no futuro, realizar alguns ajustes, corrigindo dificuldades já identificadas pelos criadores da norma, mas que ainda não têm solução. Saber se a área em que a empresa está compensando já não foi compensada por outras organizações é um dos casos. Uma passagem de avião para um funcionário, por exemplo, é contabilizada como emissão indireta. Se a empresa aérea, por meio de um projeto de MDL, já compensou esse impacto, não é necessário que a organização que adquiriu o bilhete adote o mesmo procedimento. "Isso ainda não dá certo, porque mundialmente é difícil mensurar quem faz o quê", diz Ângela.