Autopeças demitem 50 mil em dois anos

Após perder um quarto da força de trabalho, empresas buscam estabilidade

Afetada diretamente pela a crise econômica que derrubou a produção de veículos no país, a indústria nacional de autopeças já demitiu mais de 50 mil trabalhadores nos últimos dois anos e assim perdeu cerca de um quarto de sua força de trabalho. Foram 19 mil demissões somente em 2014, o maior número de desligamentos desde 1998, que fizeram o setor encerrar o ano com o menor contingente desde 2009. Mas 2015 foi ainda pior, somando outros 30 mil cortes. Com o aprofundamento da queda das vendas, reduções adicionais de pessoal são esperadas este ano e podem fazer o total de empregados nos fornecedores de componentes cair abaixo das 170 mil pessoas pela primeira vez nesta década. Este resumo da situação crítica do emprego nas fábricas do segmento foi apresentado por Fernando Tourinho, diretor de recursos humanos da Bosch, que coordenou o painel de diretores de RH das empresas de autopeças durante o IV Fórum de RH na Industria Automobilística, realizado por Automotive Business na segunda-feira (16), em São Paulo. 

“Não existe mais estabilidade, os planos mudam a cada semana. Ao mesmo tempo acontece uma escalada geral dos custos que pressiona as empresas, como aumento de matérias-primas cotadas em dólar, reajustes salariais e de benefícios como planos de saúde”, destacou Tourinho, acrescentando que o setor precisa agora de mais mecanismos de flexibilização da produção para evitar demissões. “Houve avanços na legislação, como a criação do PPE (Programa de Proteção ao Emprego) que sequer existia um ano atrás, mas existem muitas limitações e dificuldades para adotar o programa, que hoje parece insuficiente diante do cenário de incerteza atual”, disse. 

Para os participantes do painel, existem duas grandes dificuldades em adotar o PPE nas empresas. A primeira é a falta de previsibilidade sobre quando o mercado vai se recuperar, pois ao aderir ao programa de redução da jornada de trabalho e salários, as empresas se comprometem a manter estabilidade no emprego aos afetados por mais seis meses após o término do período. A outra preocupação é sobre receber a parte do governo, que cobre com fundos do FAT até 50% da remuneração reduzida dos trabalhadores. “Recebemos a primeira parcela, mas a segunda está atrasada”, contou Edson Carvalho, diretor de RH da Valeo, que e dezembro passado adotou o PPE em sua fábrica de Itatiba (SP) com redução de 20% da carga horária. “Mas agora vamos cancelar o programa e voltar ao ritmo normal. Não deveremos demitir na unidade porque já fizemos ajustes anteriores”, explica. 


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Outros fabricantes de autopeças não quiseram adotar o PPE. “Não aderimos por falta de previsibilidade do mercado e também porque já antecipávamos que haveria alguma dificuldade em receber os recursos do governo”, disse Sandra Mariani, diretora financeira (CFO) e de RH da Navistar Mercosul, fabricante dos motores MWM e dos caminhões International – que desde outubro do ano passado tiveram a produção interrompida no Brasil. Segundo Sandra, a empresa fez sua própria flexibilização, com redução de 20% da jornada e de 12,5% dos salários para todos na empresa, com exceção do departamento de vendas e marketing. “Se o faturamento não é suficiente precisamos fazer um esforço para vender mais”, explica. 

A ZF também preferiu não adotar o PPE por falta de previsibilidade do mercado. “Atuamos principalmente com o fornecimento para a indústria de caminhões e ônibus e este mercado foi duramente afetado pele crise, sem nenhum sinal de recuperação. Por isso usamos outras alternativas, como antecipação de férias e até transferências de pessoal para outras unidades nos Estados Unidos e Alemanha, para evitar ao máximo perder talentos”, conta o diretor de RH Marcel Oliveira. 

Ana Carolina Gonçalves, diretora de RH da TRW – comprada pela ZF há cerca de dois anos –, afirma que na planta de Limeira (SP) não foi necessário adotar o PPE porque existiam diferenças entre as linhas de produção, algumas com aumento do ritmo em função de fornecimento para novos veículos, enquanto outras que forneciam para modelos mais antigos tiveram reduções. “Reduzimos muito o quadro e fizemos tudo que foi possível para não demitir, como férias e transferências”, afirma. 

Futuro

Todos os participantes do painel concordaram que a principal fonte de preocupação no momento é evitar novas demissões, sob o risco de tornar a operação muito mais difícil quando a retomada da economia acontecer. “Estamos visitando fornecedores e parceiros para verificar onde é possível cortar custos. Mas também precisamos estar preparados para o futuro e manter as pessoas, porque a retomada virá”, destacou Carvalho, da Valeo. 

Estamos revendo constantemente todos os contratos e buscando mais eficiência em áreas como plano de saúde e restaurante, para tentar reduzir custos fixos e variáveis, mas uma empresa não sobrevive só contando custos, é preciso ser eficiente e preservar o caixa”, aconselhou Sandra Mariani, da Navistar. Ela conta que toda a direção da empresa tem feito reuniões semanais com os funcionários para explicar a situação e as prováveis medidas que serão adotadas, como forma de manter a força de trabalho engajada na busca de soluções. 

A instabilidade jurídica foi unanimemente apontada como principal foco de preocupação no cenário atual de demissões. Espera-se um crescimento no número de ações judiciais trabalhistas, que devem atingir cerca de 3 milhões este ano. “É um numero absurdo quando comparado a 75 mil ações nos Estados Unidos ou 2,5 mil no Japão”, comparou Tourinho.


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