Em crise, bens de capital e siderurgia abrem conflito

Enquanto ministros e áreas técnicas da Casa Civil, Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Fazenda avaliam se elevam as alíquotas para importação de aço no país, a siderurgia e seus principais consumidores no setor metalmecânico, liderados por Abimaq, Abipeças, Eletros, Abinee e mais uma dezena de entidades, travam uma acirrada guerra nos bastidores, cada elo industrial tentando influenciar a decisão do governo com suas razões.

Para as siderúrgicas, como Usiminas, CSN, Gerdau, ArcelorMittal e outras fabricantes, avalia o Instituto Aço Brasil que representa o setor, é uma questão de medida emergencial para sobreviverem na crise de forte contração da demanda interna, excesso de oferta mundial e ameaça de mais invasão de aço da China, além do Leste europeu e de outros países asiáticos. "É proteger o que ainda resta de mercado interno brasileiro", alega Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Aço Brasil.

Ele informa que o setor já paralisou dezenas de unidades produtivas, há outras em curso (Usiminas e CSN, por exemplo) e pode chegar ao final deste semestre com mais de 30 mil postos de trabalho cortados desde 2014. E que as empresas amargam redução de rentabilidade e até resultados negativos, fruto desse cenário. O uso de capacidade das usinas já está, na média, abaixo de 70%, diz.

A indústria metalmecânica, ancorada pelos setores de máquinas e equipamentos, autopeças, bens de linha branca, materiais e equipamentos ferroviários e rodoviários, tubos, eletroeletrônica e apoio da construção civil, abriu fogo contra o aumento da alíquota. "Se esse pleito for acatado pelo governo significa imediato aumento de preços do aço no Brasil, impactando ainda mais os nossos custos", diz José Velloso Dias Cardoso, presidente executivo da Abimaq.

O dirigente, a partir da base em São Paulo, encabeça o movimento de resistência à intenção do setor siderúrgico, que tem sede no Rio e levou o pleito ao governo em novembro, inclusive em uma reunião com a presidente da República, Dilma Rousseff. Velloso vem fazendo vários encontros com ministros e técnicos do governo em Brasília para demonstrar que será mais um tiro na já combalida competitividade do setor metalmecânico brasileiro.


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Os setores de bens de capital, construção civil, automotivo (incluindo só autopeças), tubos com costura e linha branca representam 80% do consumo de aço no país. As montadoras, que não aderiram ao manifesto contra a alíquota, tem negociação direta com as usinas de aço e acertam preços todo início de cada ano.

O problema do aço, afirma Veloso, é a falta de mercado no país e a baixa competitividade das siderúrgicas locais não a apregoada invasão de importações. A entrada de estrangeiro vem caindo mês a mês. "O setor siderúrgico já é protegido, bem mais que alguns outros, e pratica preços internos acima de seus concorrentes mundiais na mesma base de comparação". diz. Segundo ele, isso ocorre em maior grau na rede de distribuição, por meio do qual as empresas metalmecânicas se abastecem, com valor pago em torno de 25% a 35% superiores aos das usinas. E esse canal, informa, é mais de 50% dominado pelas próprias siderúrgicas.

Conforme Veloso, os fabricantes de aço querem elevar as alíquotas de importação atuais, de 8% a 14%, para patamares de 15% a 20%. "Isso não se justifica, pois a perda de 'market share' vista na siderurgia se dá em função da redução do mercado interno e não pelo aumento da importação", afirma. Em razão de uma indústria consumidora (a de transformação) "que foi para o vinagre". Se há distorções de mercado, que se abra ações antidumping, diz.

Para o dirigente da Abimaq, a siderurgia não é mais importante que o setor metalmecânico. "A cadeia consumidora de aço está sendo mais afetada pela concorrência externa do que o setor siderúrgico", diz. Se a solução fosse elevar imposto, a preferência deveria ser das cadeias consumidoras, acrescenta. Na visão dos grupos opositores, a alta do dólar, superior a 40% em 2015, tem o mesmo efeito protecionista da forte alta da alíquota de importação.

O embate não para por aí. Contra o argumento do aumento da penetração de material importado no consumo aparente local, Velloso informa que o índice no metalmecânico passa de 40%, enquanto o da metalurgia, que inclui aço, é de pouco mais de 22%. Em ambos os casos se verificou crescimento desde 2007, quando eram de 29,3% e 12,1%, respectivamente. E destaca ainda que as margens de resultados das empresas de bens de capital são inferiores às das siderúrgicas.

O dirigente informa que, de 2010 para o ano passado, até os últimos balanços, enquanto a margem do resultado operacional (Ebitda) de CSN, Usiminas, Gerdau caiu da média de 25,3% para 13,1%, a de três fabricantes de equipamentos (Randon, Marcopolo e Kepler Weber) baixou de 14,5% para 7%. "Mesmo a menor rentabilidade de uma siderúrgica, caso da Usiminas, é superior à melhor obtida no nosso setor".

As margens líquidas de rentabilidade na indústria metalmecânica, segundo informa, de uma amostra de sete mil empresas, perderam força desde 2010. Em 2014, ficaram negativas em 3% nas pequenas fabricantes e caíram para 3,5% e 3,6%, positivamente, nas médias e grandes fabricantes de equipamentos. "Com isso, o argumento do resultado ruim das siderúrgicas se perde".

No quesito corte de empregos, Velloso disse ao Valor que as demissões, desde o início de 2014, foram 300 mil pessoas na indústria metalmecânica e 500 mil na construção civil. E que os dois setores empregam 5 milhões de trabalhadores, ante 100 mil pessoas na indústria do aço. Ele informou aos representantes do governo que o aumento do preço do aço, consequência da maior alíquota de importação, "levará ao fechamento de muitas empresas por total perda de competitividade com produtos estrangeiros".

Os problemas de CSN e Usiminas, por exemplo, observou o presidente executivo da Abimaq, não são frutos apenas da crise enfrentada pelo setor, mas também de estratégias equivocadas de seus gestores (negócios errados e dívidas elevadas e caras) e até das brigas de sócios controladores.

A indústria de máquinas, disse, enfrenta também ociosidade alta de sua capacidade instalada estava em 34% em outubro. Conforme Velloso, no aço, era 31%. As fabricantes de bens de capital tinham uma carteira de pedidos no fim do ano de 2,4 meses de vendas. "Em 2008, era de 9 meses".

Os prognósticos de consumo de aço no país (vendas internas mais importação), conforme o Aço Brasil, são de que o setor fechou 2015 com retração superior a 16%, com cerca de 21,5 milhões de toneladas. Para este ano, estima-se novo recuo de 5% a 6%.

Diante da pressão e argumentos dos dois lados, caso não haja consenso entre os ministros, a batata quente decisão sobre o aumento da alíquota, ou não ficará com a presidente Dilma, disse fonte que acompanha o caso.