Em março, montadoras remeteram zero de lucro

É a primeira vez que as empresas deixam de enviar dinheiro para suas matrizes.

Pela primeira vez, as montadoras de veículos e as autopeças instaladas no Brasil não enviaram dinheiro às suas matrizes. Segundo dados do Banco Central, em março não saiu nada dos cofres das empresas em forma de remessa de lucro. É a primeira vez que isso ocorre em toda a série histórica do BC, que divulga dados mensais desde 2006.

No primeiro trimestre, foram enviados US$ 74 milhões ao exterior, queda de 73,5% em comparação ao mesmo período do ano passado. Com exceção de 2012, quando ficou em segundo lugar, de 2006 a 2013 a indústria automobilística esteve à frente dos setores industriais em remessa de lucros correspondentes à renda de investimento direto. O recorde foi registrado em 2008, primeiro ano da crise internacional, com envio de US$ 5,6 bilhões.

O quadro começou a se inverter no ano passado, quando a crise econômica brasileira se aprofundou e as montadoras passaram a reduzir atividades, com corte de produção e de empregos. Em 2014, as remessas de lucros e dividendos somaram US$ 884 milhões, 73% a menos que no ano anterior. Foi o menor valor desde 2005, quando foram enviados US$ 498 milhões e abaixo dos volumes remetidos pelos setores de bebidas (US$ 3,7 bilhões), produtos químicos (US$ 1,5 bilhão) e metalurgia (US$ 1,4 bilhão).

“Nos últimos anos, o Brasil sempre teve lucros acima da média mundial, mesmo na crise de 2008 e 2009, mas agora os caixas das empresas do setor – montadoras e autopeças – estão em dificuldades”, diz Stephan Keese, responsável pela área automotiva da consultoria Roland Berger.

Segundo o presidente da General Motors América do Sul, Jaime Ardila, “a maioria das montadoras está numa situação de perda e precisa proteger a liquidez para atender os compromissos do negócio, o que explica a redução dramática nas remessas de lucros”.

Nas últimas semanas, ao divulgarem balanços financeiros, vários grupos, como General Motors, Ford e Volkswagen, afirmaram que o Brasil foi um dos responsáveis por derrubar seus resultados globais no primeiro trimestre. Dados da Roland Berger indicam que, no ano passado, as montadoras registraram prejuízo de cerca de US$ 2 bilhões no Brasil. “Este ano os números tendem a ser ainda piores”, afirma Keese, o que pode atrapalhar novos investimentos no País.


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Projetos

Ardila confirma que a geração interna de caixa pode ser insuficiente para financiar novos projetos e a saída será recorrer ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a empréstimos e capitais das matrizes.

O executivo ressalta que muitas das matrizes estão atualmente em posição de caixa confortável, com níveis altos de liquidez e não precisam do dinheiro. No passado, especialmente na crise de 2008 e 2009, a ajuda brasileira foi essencial.

Ele admite, contudo, que a matriz “não está feliz” com a situação da América do Sul, mas sabe que volatilidade faz parte do negócio. “Havia uma expectativa muito maior para o Brasil que não está se confirmando”, diz Ardila. “É certo que estou tendo de viajar mais vezes a Detroit para dar explicações.”

A indústria de veículos automotores, reboques e carrocerias, conforme classificação do Banco Central, recebeu no primeiro trimestre US$ 435 milhões em investimentos estrangeiros diretos, 60% a mais em relação ao mesmo período de 2014. Em todo o ano passado, entraram US$ 2,9 bilhões, número superior ao US$ 1,8 bilhão de 2013.

Para Anfavea, queda reflete o que ocorre no País

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, ressalta que a remessa de dividendos das empresas para suas matrizes é a remuneração do capital e normalmente reflete o que ocorre no País. “Hoje, estamos com resultados bastante baixos, o que é normal dentro da atual conjuntura”, disse.

Na comparação com igual período do ano passado, as vendas de veículos caíram 19,2% de janeiro a abril, para 893,6 mil unidades. A produção recuou 17,5%, para 881,7 mil unidades. Foram fechadas 4,9 mil vagas de trabalho e hoje o setor emprega 139,6 mil pessoas, contingente igual ao verificado em março de 2011.

Stephan Keese, responsável pela área automotiva da consultoria Roland Berger, acredita que os cortes vão aumentar ao longo do ano, pois a mão de obra atual está dimensionada para uma produção de quase 4 milhões de veículos anuais, enquanto a projeção da Anfavea é de fabricar no máximo 2,8 milhões. “Há leis e acordos com os sindicatos que colocam barreiras à redução de capacidade, mas, se pudessem, as montadoras cortariam entre 20 mil e 30 mil postos”.

As alternativas têm sido os programas de demissão voluntária (PDV), lay-off (suspensão dos contratos de trabalho) e férias coletivas. Hoje, com exceção das asiáticas Hyundai, Honda, Toyota e Nissan, as demais empresas têm alguma medida de corte de produção em andamento.