Montadoras criam rival à Anfavea

Fabricantes que chegaram recentemente ao País se recusam a pagar 'luva' da Anfavea, dominada por Volks, Fiat, GM, Ford e Mercedes.

A chegada de nove novas montadoras de automóveis e caminhões ao Brasil, com fábricas a serem inauguradas até 2016, provocou uma divisão nas entidades representativas do setor. Até agora representante dos importadores, a Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva) vai mudar seu estatuto para abrigar também as empresas que passarão a produzir veículos no País.
 
Em vez de seguir o caminho tradicional de filiação à Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que hoje representa 21 marcas de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus e sete de tratores, as entrantes Audi, BMW, Chery, Foton Aumark, JAC Motors, Jaguar Land Rover, Metro Schacman e Sinotruk terão a Abeiva como opção de representatividade. A DAF/Paccar, que começou a produzir caminhões em outubro em Ponta Grossa (PR) já se filiou à Anfavea.
 
Segundo várias fontes do setor, um dos motivos para a mudança da condição estatutária da Abeiva (que pode ser rebatizada como Abeifa - Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes) seria o descontentamento das novas marcas com a elevada "joia" que a Anfavea passou a cobrar para novas associadas, na casa de R$ 2 milhões (cerca de US$ 1 milhão).
 
Até 2006, o valor para se associar à entidade estava em cerca de R$ 200 mil, depois foi a R$ 500 mil. Com a onda de novas empresas no último ano e meio, grande parte de origem chinesa, o valor pedido chegou a R$ 3 milhões, depois baixou para R$ 2 milhões, com chances de negociação e até parcelamento.
 
Outro foco de descontentamento é o poder de decisão concentrado nas cinco maiores fabricantes: Volkswagen, Fiat, General Motors, Ford e Mercedes-Benz. Executivos dessas companhias se revezam no comando da entidade há mais de 30 anos, o que tem gerado descontentamento até entre parte das atuais associadas.
 
A Anfavea reúne empresas responsáveis por 23% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial brasileiro e tem livre acesso aos gabinetes de ministros em Brasília. A associação é vista como lobista forte, cujos pedidos são atendidos com frequência, mesmo que parcialmente.
 
O exemplo mais recente é a manutenção parcial do corte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os automóveis. O benefício, em vigor desde maio de 2012, deveria ser suspenso em dezembro. Por decisão do ministro da Fazenda, Guido Mantega, a volta da alíquota cheia do tributo, contudo, será feita em duas etapas, neste mês e em julho.
 
Portas abertas
 
"Temos um patrimônio construído nos últimos 50 anos, com imóveis em São Paulo e Brasília e um know-how obtido após vários estudos e pesquisas. Quem chega agora não pode simplesmente se beneficiar disso tudo sem um custo", diz um membro da Anfavea. "Além disso, nós abrimos as portas dos ministros."
 
Oficialmente, nenhum representante da entidade foi localizado na sexta-feira (10) para comentar o assunto. O presidente da Abeiva, Flavio Padovan, que também preside a Land Rover, confirma a mudança no estatuto, mas diz que aguarda pareceres técnicos e consulta a alguns associados para oficializar a alteração, o que deve ocorrer nas próximas semanas.
 
Vários executivos com quem o Estado conversou confirmaram o descontentamento com o valor cobrado para a filiação, embora reconheçam o poder da Anfavea. "Fiquei horrorizado e nosso grupo vai avaliar se vale a pena", afirma um deles.
 
Outro representante de uma das novatas pondera que, apesar do valor elevado, "se ficarmos de fora da Anfavea não teremos força nenhuma e, sozinhos, não poderemos gritar contra nada e nem seremos recebidos pelo governo".
 
Além da "luva", a Anfavea cobra mensalmente um porcentual sobre o faturamento do associado, prática comum em diversas entidades de classe. Para quem ainda não tem receita advinda da produção, foi estabelecido valor fixo de R$ 17 mil a R$ 20 mil como mensalidade.
 
Nos Estados Unidos, a adesão a uma entidade similar é de cerca de US$ 10 mil (R$ 24 mil, pelo dólar atual), segundo fonte de uma das empresas. Na China, não há valor de adesão e as montadoras pagam uma taxa anual de acordo com o volume de produção.
 
Representatividade
 
A Abeiva, que hoje tem número de associados similar ao da Anfavea - 29 -, também cobra "pedágio" de novos associados, de cerca de R$ 75 mil. O preço a ser cobrado caso passe a representar novas fabricantes não foi definido. A entidade não opera com mensalidade fixa, mas rateia os gastos mensais entre os sócios.
 
Absorver parte das novas fabricantes também será uma forma de manter representatividade. As marcas que podem deixar a Abeiva caso a associação mantenha seu foco apenas nos importadores são as de maior volume de vendas: as alemãs Audi e BMW/Mini, as chinesas Chery e JAC e a britânica/indiana Jaguar Land Rover.
 
A exceção é a coreana Kia Motors. Maior importadora de carros do País, ela ainda não decidiu pela produção local e seguirá nos quadros da Abeiva junto a marcas de luxo de pequeno volume de vendas como Ferrari e Porsche, além de algumas chinesas de baixo desempenho, como Lifan e Haima.
 
No mercado, as apostas são de que devem permanecer na Abeiva a Chery (que inaugura fábrica em Jacareí, interior de São Paulo, em julho), a JAC (com início de operação em Camaçari, na Bahia, em 2015) e a Land Rover, que confirmou unidade em Itatiaia (RJ) para 2015. A chinesa Metro Schacman, que vai construir fábrica de caminhões em Tatuí (SP) estuda filiar-se à Anfavea, assim como as marcas premium BMW e Audi (pertencente à Volkswagen).
 
A também chinesa Foton, cuja fábrica de caminhões em Guaíba (RS) será inaugurada em 2016, informou que não tem interesse, neste momento, em entrar para os quadros da Anfavea, mas pode avaliar essa possibilidade no futuro, "a depender do valor da luva".
 
Por Cleide Silva/ O Estado de S.Paulo

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