Paralisia industrial já dura 5 anos e deixa setor mais 'pobre'

Paralisia industrial já dura 5 anos e deixa setor mais 'pobre'

A produção da indústria brasileira está praticamente estagnada. Os dados de novembro - divulgados ontem (8) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - mostram que a produção brasileira de 2013 ficou apenas 0,3% maior que a de 2008, ano de início da crise mundial. Essa estagnação, contudo, embute comportamentos setoriais muito distintos - queda de 30% e aumento de 23% - e mudanças profundas em algumas cadeias produtivas. E o câmbio é apenas parte da explicação.
 
O câmbio intensificou um rearranjo produtivo em curso no mundo, com reflexos sobre a indústria brasileira. A produção doméstica perdeu "densidade", ficou mais pobre, mais dependente dos estímulos oficiais, e mais cara. Salvaram-se setores atingidos, direta ou indiretamente, por políticas governamentais, embora elas não tenham funcionado igualmente para todos os beneficiados.
 
Em 2008, o Brasil exportou US$ 3,1 bilhões em telefones celulares, e importou US$ 871 milhões dos mesmos bens, encerrando o ano com um expressivo saldo comercial de US$ 2,2 bilhões, 5% do superávit daquele ano. Depois daquele recorde, as exportações de celulares minguaram ano a ano até praticamente sumirem do mapa. Quase todo mercado, hoje, é atendido por importações.
 
A balança comercial de celulares é um exemplo perfeito do duplo impacto do câmbio valorizado, pois ele elevou competitividade das importações e reduziu a das exportações. O setor de material eletrônico e equipamentos de comunicações foi o principal afetado por essa combinação nos últimos cinco anos, com retração de 30% na produção entre 2008 e 2013.
 
Olhando estatísticas de comércio exterior, a exportação do segmento correlato (informática e eletrônicos) caiu de 11% da produção para 7,5% entre o terceiro trimestre de 2008 e igual período de 2013. Já o peso dos importados no consumo local do setor subiu de 43% para 52%, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex)
 
 
No conjunto da indústria, a produção nacional caiu em 11 dos 26 setores listados pelo IBGE ao longo dos últimos cinco anos. Dos 11, em 9 indústria encolheu mais de 10%. Para o professor Júlio Sérgio Gomes de Almeida, nesses setores existe a chamada desindustrialização. Entre os prejudicados, ele aponta todo o complexo eletroeletrônico, de informática e de comunicações (três setores), além do trio intensivo em mão de obra (têxtil, calçados e confecções), e o setor de metalurgia básica, afetado por uma grande oferta mundial.
 
Na avaliação setorial, além da desindustrialização, Gomes de Almeida identificou segmentos com baixo crescimento e outros com forte desempenho. Nesses, a presença do governo - especialmente via desonerações, mas também pela política de redistribuição de renda - fez diferença. Entre os beneficiados, direta ou indiretamente, estão o mobiliário, alguns segmentos de transporte, perfumaria e equipamentos médicos.
 
O pouco conhecido setor de instrumentos médicos e hospitalares foi, depois de "outros equipamentos de transporte", o que registrou maior crescimento entre 2008 e 2013 - 23%. Paulo Fraccaro, presidente-executivo da Abimo, que representa a indústria do setor, diz que o aumento da demanda por serviços de saúde, decorrente das políticas sociais e do aumento da renda, ajudou a indústria do setor.
 
Embora a importação desses bens tenha crescido, a indústria doméstica, diz ele, "mantém alta competitiva em relação aos produtos importados", porque o setor, ao longo dos anos, se adaptou para atender o orçamento baixo da área de saúde. Hoje, diz, 95% da demanda é atendida por fábricas instaladas no Brasil e 60% das encomendas vêm do setor público de saúde.
 
Intensivo em mão de obra, o trio têxtil, confecções e calçados - embora beneficiado pelas desonerações - foi afetado diretamente pela presença chinesa. Como os produtos podem ser facilmente importados, ao contrário de móveis, as desonerações tiveram impacto menor sobre esses segmentos. O professor Nelson Marconi, da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas, acrescenta que esses setores sofreram muito com os aumentos de salários dos últimos anos, um dos custos que tornaram a produção nacional mais cara.
 
Para Marconi, uma combinação de fatores ajuda a explicar a estagnação da indústria, na média, e a perda expressiva de alguns setores. Ele observa, contudo, que não apenas a importação, mas também a redução das exportações influenciou esse resultado. Em calçados, por exemplo, as exportações chegaram a representar 30% da produção, percentual que caiu para 23% no terceiro trimestre de 2008.
 
Jorge Arbache, professor de economia da UnB, observa que esses cinco anos foram de muita instabilidade, tanto na economia brasileira como na mundial, e também pondera que o período é relativamente curto para grandes mudanças. Mesmo assim, também vê reflexos do câmbio e do aumento de custos (salários relativos, especialmente) afetando setores intensivos em mão de obra, e efeitos benéficos nos setores que receberam alguma política indutora do governo. Outro elemento listado por Arbache está na demanda mundial por commodities, que ajudou setores como celulose e minerais não metálicos, entre outros.
 
Além dessas influências, Arbache tem levantado outra preocupação. Ele tem discutido a perda de "densidade" da produção nacional. O problema diz, não é só a queda da participação do setor no Produto Interno Bruto (PIB) que chegou a pouco mais de 13% em 2013, considerando apenas o segmento da transformação. Esse dado, defende, traduz apenas parte das mudanças em andamento.
 
Arbache, que também é assessor econômico da presidência do BNDES, diz que em vários locais do mundo (Estados Unidos na liderança) a indústria cada vez mais tem atuado junto com o setor de serviços, o que agrega valor aos seus produtos. No Brasil, isso não tem acontecido. A indústria que mais cresce não é a que demanda serviços de alto valor agregado - tecnologia, inovação.
 
Para Arbache, o Ipad é o exemplo clássico. Enquanto produto industrial, sem os softwares, seu valor é pequeno. Com eles, torna-se outro produto, e dá densidade à indústria que o fabrica. "Essa indústria não está presente, com raras exceções, no Brasil."
 
Por Ruy Baron/ Valor Econômico