Semicondutor térmico pode ser o isolante do futuro

Professor de Minas Gerais desenvolve semicondutor térmico que controla o fluxo de temperatura entre dois ou mais corpos.

A persistência de um pesquisador belo-horizontino em descobrir uma tecnologia capaz de equilibrar a transferência de calor entre corpos com temperaturas diferentes culminou na criação de um semicondutor térmico. Desenvolvido pelo doutor em engenharia mecânica Marco Aurélio Bernardes, o sistema atua no controle do fluxo de calor entre dois ou mais corpos, e pode agir tanto como condutor quanto como isolante.

A tecnologia, que ainda está em fase de pesquisa, pode ser aplicada em vários tipos de materiais — metais, resinas plásticas, vidro, madeira ou mesmo tecido. Na prática, o semicondutor é capaz de funcionar de forma unilateral, de modo a promover o gerenciamento do calor e evitar a contaminação térmica, o que pode melhorar o desempenho de microprocessadores e aparelhos eletroeletrônicos e contribuir para uma redução significativa do consumo de energia.
 
Especialista em ciências térmicas e com vários trabalhos na área de meio ambiente e energias renováveis, o pesquisador deu os primeiros passos no desenvolvimento do projeto em 2007, durante a realização de um estágio de pós-doutorado no Instituto de Stellenbosch, na África do Sul. O objetivo de Bernardes era elaborar um dispositivo que pudesse transferir calor em uma única direção a fim de solucionar uma falha dos isolantes convencionais. "Em edificações, por exemplo, os sistemas de isolamento térmico impedem a entrada do calor durante o dia, mas, à noite, quando o ambiente externo tende a ser mais frio, as paredes impedem a saída de calor interno, o que faz com que haja um gasto excessivo de energia com o uso de ar-condicionado", afirma.
 
Segundo o pesquisador, o semicondutor térmico pode solucionar o problema, já que permite a liberação do calor. "Com a aplicação do sistema, podemos ter paredes inteligentes, capazes de proporcionar um equilíbrio nas temperaturas e reduzir o consumo de energia", explica. Como a pesquisa ainda está sendo desenvolvida, o especialista não sabe precisar o percentual de redução do consumo de energia em edificações com o uso do semicondutor.
 
Vasta aplicabilidade
 
A tecnologia desenvolvida pelo engenheiro também pode aumentar a performance de microprocessadores, essenciais para o funcionamento de computadores e celulares. O superaquecimento desse dispositivo interfere no desempenho dessas máquinas, a ponto de interromper seu funcionamento. Mas, segundo Bernardes, o desenvolvimento de microprocessadores criados com a tecnologia do semicondutor térmico pode proporcionar maior durabilidade do produto por meio da transferência unidirecional de calor.
 
"No microprocessador tradicional, o aquecimento de um dos quadros do equipamento migra para as outras partes, comprometendo o funcionamento dele. Com o semicondutor térmico, é possível evitar a contaminação por calor, o que pode revolucionar a qualidade desses produtos", avalia o pesquisador.
 
Mas a aplicabilidade do sistema semicondutor térmico é bem mais vasta e ele pode ser utilizado, por exemplo, em roupas. Bernardes explica que o tecido normal é capaz de reter a temperatura corporal, o que é bom em dias de inverno, pois impede que um indivíduo sinta frio. Em dias quentes, o mesmo material permite a entrada de calor do ambiente externo, o que impossibilita o uso dessa roupa no verão. Com o sistema semicondutor, é possível elaborar um tecido que, em dias frios, aqueça quem o veste, mas, em ambientes com altas temperaturas, não permita a transferência de calor para dentro da roupa.
 
O uso da tecnologia em equipamentos eletrônicos e tecidos chamou a atenção da Defesa Americana durante a apresentação da pesquisa feita por Bernardes no fim do ano passado. Além de melhorar a performance de equipamentos como computadores e satélites, o mecanismo de controle do fluxo de calor pode possibilitar a confecção de uniformes que isolam ou liberam o calor de acordo com as condições térmicas do ambiente. Em situações de guerra, a tecnologia poderia contribuir para a criação de barracas mais funcionais, que se adequariam, por exemplo, às condições desérticas.
 
O engenheiro mecânico explica que o desenvolvimento do sistema é baseado nos princípios de dilatação térmica (aumento ou contração do volume de um corpo ocasionado pela variação de temperatura) e transferência de calor. O sistema semicondutor térmico foi patenteado por Bernardes nos Estados Unidos com o nome de Methods and Mechanisms for Thermal Semi Conduction. Desde que iniciou o processo de pesquisas, em 2007, o engenheiro trabalha sozinho e não tem qualquer tipo de financiamento. Professor no Centro Universitário Una, em Belo Horizonte, Bernardes aproveita o tempo em que não está nas salas de aula para dar continuidade ao projeto. "Já gastei cerca de R$ 20 mil do meu bolso desde que dei início à pesquisa. Mas, para concluí-la, com todos os testes e confecção dos materiais feitos com o uso do semicondutor, seria necessário cerca de R$ 1 milhão", calcula.
 
Mais acessível
 
Embora o semicondutor térmico seja bem mais avançado que isolantes convencionais, o engenheiro garante que a confecção de produtos com o uso do sistema não torna o material mais caro. Ele explica que todo o custo adicional está no investimento em pesquisa, e que o uso do sistema só deve trazer benefícios.
 
"Esse sistema pode ser utilizado até mesmo no asfalto dos grandes centros urbanos, o que impediria a absorção do calor pelo solo durante o dia e ainda permitiria que o calor natural da terra fosse liberado durante a noite. Isso poderia mitigar o aquecimento global", afirma o especialista. A expectativa do pesquisador é de que a tecnologia esteja pronta para comercialização até o fim de 2013.
 
Por Clarisse Souza/ Correio Braziliense