Empresa portuguesa cria base de dados para tornar a indústria espacial mais limpa

Para que os novos projetos espaciais sejam mais sustentáveis, verdes e seguros, a Agência Espacial Europeia lançou a iniciativa Espaço Limpo.

Por trás de cada lançamento no espaço da Agência Espacial Europeia (ESA) estão anos de trabalho. Veja a famosa sonda Roseta: o aparelho foi lançado em 2004, mas a missão tinha sido aprovada muito antes, em 1993. Além do trabalho científico no desenvolvimento do satélite, houve a construção da sonda e do foguete que a enviou para o espaço, o que requereu matéria-prima, material usado no trabalho fabril e combustível. Neste processo e na escolha de certos materiais, pode haver impactos ambientais na Terra e na saúde dos trabalhadores, o que a ESA quer evitar.

A agência trabalha num método para que, no desenvolvimento dos projetos espaciais, se escolham materiais e procedimentos que tornem as missões mais amigas do ambiente e reduzam os riscos do projeto. Neste contexto, a empresa portuguesa ISQ (antigo Instituto de Soldadura e Qualidade) foi contratada para desenvolver uma base de dados que torne possível a comparação de cenários diferentes de matérias-primas e processos fabris.

O objetivo final, segundo a agência, é tornar a ESA um motor de mudança da indústria aeroespacial e das outras indústrias mundiais. “A ESA quer marcar uma posição em relação às questões de sustentabilidade”, diz ao Público Eduardo João Silva, engenheiro ambiental da ISQ e responsável pelo projeto do ISQ para ESA, iniciado em julho de 2014. “E quer tentar perceber de que forma este setor pode contribuir para [resolver] um conjunto de problemas ambientais”.

A iniciativa da ESA chama-se Espaço Limpo (Clean Space, em inglês) e destina-se a promover a concepção e desenvolvimento de tecnologias mais verdes, bem como reduzir cada vez mais os detritos no espaço. A preocupação não se limita apenas pelas emissões de dióxido de carbono e gases com efeito estufa das missões espaciais, que têm um impacto nas alterações climáticas e no aquecimento global. Outras questões importantes são o risco da diminuição da camada de ozônio, do esgotamento dos recursos, da toxicidade dos materiais, tanto para as pessoas como para o ambiente, e do uso de água e do solo.


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Dentro da iniciativa, a ESA está criando desde 2011 o que chama “ferramenta de ecodesign”, que será usada no desenvolvimento de novos projetos espaciais, “desde os satélites até à ida à Lua”, exemplifica Eduardo João Silva. A ferramenta, cujo orçamento total previsto era de cinco milhões de euros, vai permitir avaliar não só o impacto ambiental de cada aspecto dos projetos – para se poder tomar decisões ambientais mais corretas –, como terá em conta o que a legislação existente na Europa deixa ou não fazer em termos ambientais.

Para o desenvolvimento desta ferramenta, foi necessário quantificar e analisar “as emissões, os recursos consumidos e as pressões tanto na saúde humana como no ambiente de diferentes bens e serviços ao longo do seu ciclo de vida”, lê-se no site da ESA. Esta avaliação permite compreender o efeito das alterações que se podem fazer no ciclo de vida dos materiais. O objetivo é “evitar que, ao tentar-se minimizar os impactos numa fase do ciclo de vida [do material], isso leve a um maior impacto noutra fase”, explica a ESA.

Para tudo isto, os projetistas da ESA deverão ter já em 2017 a oportunidade de consultar a base de dados que a ISQ está a criar e prevê ter pronta em meados deste ano. A empresa portuguesa candidatou-se ao projeto e recebeu 600.000 euros da ESA para realizar. “A ISQ desenvolveu um inventário que permite comparar cenários”, diz Eduardo João Silva. O trabalho contou com a colaboração de duas empresas norueguesas: a Asplan Viak, de construção civil, e a Sintes, especialista na tecnologia de impressão 3D.

Um dos aspectos que estão a ser analisados na reta final do trabalho da ISQ é dos combustíveis. O investigador dá um exemplo da hidrazina – um composto bastante tóxico que integra o combustível dos satélites e é utilizado quando os aparelhos estão no espaço. “É um composto usado apenas no setor aeroespacial e a queima é feita em órbita”, diz o engenheiro ambiental. O problema é o seu transporte em terra ou a exposição dos trabalhadores quando enchem o tanque do satélite. “Pode haver um acidente”, alerta o responsável da ISQ. “Existem alternativas de combustíveis ainda em fase de desenvolvimento. O índice de maturidade destas tecnologias ainda não é suficiente para ser usado. Mas é uma aposta”.


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