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Black Lives Matter: os algoritmos da minha empresa reforçam a discriminação?

Por: Marcelo Costa e Rodrigo Kramper      31/08/2020

O movimento ativista Black Lives Matter (em português, Vidas Negras Importam) trouxe à tona a discussão da prática do racismo pelas instituições públicas ou privadas, que, de forma indireta, promovem a exclusão ou o preconceito. Primeiramente, vamos definir alguns conceitos. O preconceito abarca uma miríade de discriminações que vão além da raça e envolvem gênero, local de origem, orientação sexual e classe social, entre outros aspectos. Sendo assim, o racismo é uma das muitas faces do preconceito.

Pensando em uma discriminação institucional, temos como exemplo aquela que faz com que em nossas empresas, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mulheres recebam cerca de 20% menos do que os homens em condições similares.

Agora, vamos a uma discussão que avança no mercado de tecnologia: atualmente, uma das áreas mais populares da Inteligência Artificial é o Machine Learning ou Aprendizado de Máquina, cujo programa de computador aprende com a experiência captada a partir de padrões de dados históricos das organizações. E se nossos dados forem racistas, misóginos ou discriminatórios em relação à profissão ou residência? Nesse momento, entramos na seara dos algoritmos com vieses, ou seja, que possuem uma distorção sistemática.

O Compas, software amplamente utilizado em tribunais americanos para aplicação de sentenças, é um exemplo de sistema discriminatório. Um estudo independente realizado pela ONG Propublica revelou que, no sistema, os negros tinham o dobro de chances de serem classificados como possíveis reincidentes de crimes violentos em comparação aos brancos.

Da mesma forma, em 2014, a Amazon utilizou um algoritmo de seleção de currículos que priorizava candidatos do sexo masculino em detrimento do feminino. É muito comum também os birôs de crédito que têm utilizado dados de CEP ou profissão como fonte de dados para concessão de crédito. Esse viés leva a negativas de créditos para a população que reside em áreas consideradas periféricas, ou seja, uma tendência discriminatória.


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Normalmente, esses problemas decorrem da construção de modelos sem conhecimento e sem a correção de vieses ocultos, o que pode levar a resultados distorcidos, tendenciosos ou mesmo errados, reforçando estigmas sociais, econômicos e raciais, além de institucionalizá-los com o requinte de parecerem resultados científicos, já que são baseados em modelos matemáticos.

A grande discussão é que o caráter discriminatório do Aprendizado de Máquina não advém apenas de dados históricos, como também de outros vieses. Podemos citar três aspectos que podem influenciar. Um deles é o viés de amostragem, que ocorre quando a amostra analisada pelo algoritmo é incompleta ou não representa o ambiente no qual ele será executado. Um artigo do MIT, por exemplo, demonstrou falhas em mecanismos de reconhecimento facial, no qual a proporção entre imagens de homens chega a ser 75% e de brancos, 80%, implicando diversos erros para o reconhecimento de mulheres e outras etnias.

Já o viés de preconceito se refere a modelos treinados por dados influenciados por estereótipos ou fatores culturais. Por exemplo, modelos de reconhecimento de imagem treinados com homens em escritórios e mulheres cozinhando, assim como de concessão de crédito que penalizam profissões mais operacionais ou periferias. Neste caso, o uso do CEP pode perpetuar a exclusão social.

Outra possibilidade é o viés é do observador, que traz para a análise de dados eventuais preconceitos do profissional de dados, como resultados que associam homens com escritórios e mulheres com cozinhas. Ele compartilha dessa visão de mundo e sociedade. Logo, esse é o resultado que ele espera encontrar nos dados.

Detectar e corrigir vieses nos dados não é fácil. Porém, um começo promissor reside em conhecer os dados, a sua qualidade e proporcionalidade amostral, assim como ter pensamento crítico sobre fatores históricos e sociais que podem influenciar os dados, assim como o uso de diversidade nos times de desenvolvimento. Trazer visões e experiências diferentes aos projetos é um bom começo para o uso correto dos algoritmos de aprendizado de máquina.

*O conteúdo e a opinião expressa neste artigo não representam a opinião do Grupo CIMM e são de responsabilidade do autor.

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Marcelo Costa e Rodrigo Kramper

Marcelo Costa é analista de dados e Rodrigo Kramper é líder da prática de Advanced Data and Analytics Solutions, ambos da ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados.