por Jose Ignacio Nuñez Garcia    |   29/04/2020

Os desafios do setor financeiro aumentam diante do coronavírus

Até poucos dias atrás, os bancos competiam na Maratona da Transformação Digital. Mas aí surgiu um organismo microscópico que mudou tudo, inclusive as regras de competição. O que seria uma maratona de força, estratégia e resistência com vários anos e muitos quilômetros pela frente, acabou sendo reduzido a uma prova de apenas um quilômetro. A resistência já não tem mais importância e a inovação que seria descoberta não é relevante. A única coisa que importa é chegar o mais rápido possível e estar entre os primeiros. Ou o mundo se torna digital ou não conseguiremos ter uma grande quantidade de serviços necessários.

Com metade do planeta praticamente confinado, a realidade é que, mesmo as pessoas não podendo sair, o mundo continua girando. É ainda preciso fazer compras no supermercado, pagar as contas de água e luz, estar em dia com os impostos (ainda que algumas políticas sejam mais flexíveis), e as empresas, mesmo que operem em ritmo mais lento, ainda têm fornecedores e credores, serviços de logística, transporte, segurança, etc. Tudo isto deve continuar funcionando. E diante deste cenário, os bancos são peças fundamentais.

Os bancos estão na corrida com um objetivo claro: disponibilizar canais digitais para que todos os seus serviços e produtos possam ser oferecidos digitalmente, algo que parece simples, mas não é. Todos que se consideram clientes digitais fazem uso de aplicativos em dispositivos móveis, mas nunca foi necessário realizar absolutamente todas as operações diárias de forma digital.

Imagine agora a retirada de aposentadorias, movimentação de empresas, gestão de fornecedores e credores, gestão de risco, comércio exterior e operações internacionais, gestão de investimentos, operações financeiras governamentais, logística de produção e a forte demanda por crédito que será necessária nos próximos meses ou anos. Ainda assim será necessário ir a uma agência bancária para realizar muitas operações que não são consideradas básicas. Será também necessário ir a dezenas de órgãos públicos para realizar inúmeros procedimentos administrativos e financeiros, empresas de saúde com procedimentos manuais, documentação necessária para muitos procedimentos bancários. Isto citando somente alguns dos serviços.


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Além disso, para tornar o desafio ainda mais interessante, neste momento surge um medo natural do contato com o dinheiro físico, que passa de mão em mão. O mercado de pagamentos exige soluções digitais de forma muito rápida, e que sejam acessíveis a qualquer faixa de renda ou classe social. Agora mais do que nunca, é necessário que o Open Banking se torne uma realidade de forma rápida e prática, e que os bancos estejam abertos a instituições, bens e serviços ao consumidor, comunicações, saúde, serviços públicos, indústria, além de todas as necessidades básicas do dia a dia.

ÂncoraNenhuma instituição do mercado estava realmente preparada para este tipo de situação. Nem clientes, nem bancos. Este é um dos maiores desafios da sociedade, em um espaço de tempo realmente curto, e uma das maiores oportunidades para aprender como se adaptar um mundo mais digital e sair da zona de conforto, mesmo que seja por necessidade.

No Brasil, o desafio é maior e o último quilômetro da maratona é ainda mais íngreme. De acordo com dados do Banco Central do Brasil, quase 70% dos adultos têm baixo nível educacional. Um pouco mais de 40% são classificados em nível elementar (textos médios, operações básicas, não dominam o cálculo de porcentagem), e um pouco mais de 25% têm dificuldade em reconhecer cartas e frases ou não compreendem um texto simples. Existe um número considerável de pessoas que não possuem conta bancária, e quase metade dos clientes dos grandes bancos não utilizam aplicativos móveis, porque os desconhecem, não tem smartphones com recursos suficientes para o funcionamento dos aplicativos ou simplesmente não contam com infraestrutura de rede móvel para o acesso. A economia informal representa um número muito alto na economia do País, onde o vendedor ambulante de roupas, eletrônicos, café, bolos, panos, alimentos necessita, tanto quanto os demais, de soluções de pagamento e de acesso ao o sistema financeiro. Este é outro grande desafio dos bancos no Brasil, pois, além de competirem na digitalização dos serviços, terão de realizar um trabalho de educação financeira, de ensino e de aproximação com este grupo.

As grandes instituições financeiras do segmento varejista estão mais ou menos no mesmo nível nesta disputa. Agora, é preciso saber quem é mais rápido e ágil na implementação de processos sólidos, com impacto efetivo na sociedade e com maior escalabilidade de serviços. É hora de ver também quem será o melhor em trazer soluções tecnológicas simples para a população mais carente e na formação e educação dos consumidores de todas as idades e classes econômicas. Há um grande trabalho pela frente a ser realizado a fim de uma rápida adaptação à nova realidade do mercado, pois esta corrida vai acabar, mas logo em seguida uma nova competição, que ainda não sabemos onde vai nos levar, terá início e a transformação digital será essencial para os primeiros colocados nos negócios e na preferência dos consumidores.

* Os dados de Treinamento e Educação do Brasil pertencem ao Banco Central do Brasil.

O conteúdo e a opinião expressa neste artigo não representam a opinião do Grupo CIMM e são de responsabilidade do autor.
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Jose Ignacio Nuñez Garcia

Sócio Digital Banking, everis Brasil