Medium_foto_perfil
Samanta Luchini    |   11/07/2018   |   Desenvolvimento Humano   |  

A Armadilha do Bom Senso

Bom senso é uma expressão muito presente no cotidiano, mas ao mesmo tempo muito difícil de se definir porque cada pessoa tem o seu e ele geralmente está correto. É preciso estar consciente de algumas questões antes de pedir e oferecer uma atitude de bom senso.

Não é raro ouvir que o mundo seria um lugar melhor se as pessoas tivessem mais bom senso.

Os subordinados esperam que seus líderes utilizem o bom senso na hora de tomar as decisões que os afetam diretamente. Da mesma forma, os líderes esperam que seus subordinados utilizem seu bom senso na hora de resolver um problema.

Colegas de trabalho também esperam o bom senso uns dos outros na hora de executar uma atividade em equipe, na hora de compartilhar os recursos da empresa e na hora de planejar o calendário de férias do departamento.

Pais esperam que os professores utilizem o bom senso na hora de ensinar e aplicar as melhores estratégias educativas com as crianças. Da mesma forma, os professores esperam que os pais tenham bom senso na hora de educar seus filhos em casa, para que isso facilite o trabalho que é feito na escola.

Moradores de um mesmo condomínio esperam que todos tenham bom senso ao fazer uso das áreas comuns e, principalmente, na hora de votar sobre as mudanças e ações mais importantes para o bem-estar de todos.

Mas afinal, o que pode ser considerado bom senso? É uma competência ou um valor? Quando podemos afirmar que ele está sendo utilizado para nortear uma ação ou uma decisão? Existe algum tipo de critério através do qual ele possa ser medido e analisado?

Ainda não me considero capaz de responder a essas questões, mesmo com mais de 20 anos estudando o comportamento humano. Inclusive, tenho uma lista particular de palavras e expressões que me causam desconforto e até um certo temor, pelo fato permitirem a interpretação que for mais conveniente no momento. E o termo “bom senso” figura entre as primeiras posições desta lista.

Então, no lugar de tentar responder, peço a liberdade de acrescentar mais alguns questionamentos. Segundo Sócrates, primeiro coach de que se tem registro, o não saber nos move com mais eficácia na direção do desenvolvimento do que as respostas prontas.

Vamos começar com o exemplo de uma reunião de condomínio, já que citamos ainda há pouco a expectativa de bom senso entre os moradores.


Continua depois da publicidade


Imagine que, durante 18 meses, o condomínio onde você mora tenha recolhido trezentos reais de cada morador para a composição de um fundo de reserva. Depois desse período, o síndico marca uma reunião para apresentar o valor exato que foi arrecadado e decidir, junto aos moradores, a melhor forma de investir o dinheiro.

Neste momento, algumas possibilidades passam pela sua cabeça e você começa a coloca-las em ordem de prioridade, de acordo com o uso do seu bom senso, antes apresentar sua opinião.

Sentado à sua frente há um rapaz que pede a palavra. Ele defende que o dinheiro deve ser investido na construção de uma academia de ginástica, pois hoje em dia os exercícios físicos são importantíssimos para a manutenção da saúde. Além disso e ter a comodidade de não sair de casa para se exercitar e economizar o valor mensalidade é bastante oportuno. Não sei você, mas eu percebo bom senso nessa colocação.

À sua direta há um jovem casal que pede a palavra logo em seguida. Eles alegam que o melhor investimento seria na construção de um playground para as crianças do condomínio. Com a vida atribulada dos pais, nem sempre é possível levar as crianças para brincar e correr nos parques da cidade. Se elas tiverem uma área de lazer dentro do próprio condomínio, poderão brincar sempre que quiserem, tomar sol e fazer muitos amigos. Uma colocação de bom senso, na minha opinião.

Á sua esquerda à uma mulher que já estava com a mão levantada antes mesmo de o casal anterior ter concluído sua fala. Ela alega que todos os demais condomínios da rua já possuem um sistema de segurança de última geração, com câmeras e circuitos internos de TV que permitem um monitoramento muito eficaz de todas as áreas. Como a questão da segurança deve vir sempre em primeiro lugar, ela defende enfaticamente que o valor do fundo de reserva deveria ser investido num sistema de segurança. Bom senso total!

Atrás de você há um casal que mora no 11º andar, desde quando o prédio foi construído, há mais de 30 anos. Eles estão na faixa etária dos 70 anos e sugerem que o dinheiro seja utilizado para a modernização dos elevadores que, pelo fato de serem bem antigos, demandam manutenção constante e às vezes ficam parados por longos períodos. Também vejo bom senso nessa sugestão.

Nesse momento você pensa por um instante, pois nenhuma das colocações combina com a sua. Você gostaria de sugerir que o dinheiro fosse utilizado para a construção de um sistema de captação da água da chuva e para a instalação de placas solares, para a otimizar o uso da energia em todo o condomínio. Muito bom senso!

Que sugestão o síndico deveria acatar? Qual é o “bom senso” que parece mais correto?

Você pode responder que todos estão certos. Que todos estão errados. Ou ainda que o melhor bom senso é o seu, pois ele está atrelado às suas referências, expectativas e necessidades. Como diz uma citação de François La Rochefoucauld “raramente conhecemos alguma pessoa de bom senso além daquelas que concordam conosco”.

A palavra senso deriva de sensus, em latim, que dentre os seus significados traz as palavras percepção, sentir e sentimento. Na esfera do sentimento é impossível definir o que é certo e o que errado, nem sempre é possível programar o que vamos sentir e como vamos sentir.

Algumas pesquisas em neurociência já comprovaram que nossos sentimentos definem nossos pensamentos. Por isso é fácil, viável e confortável justificar nosso bom senso através de fatos, evidências e uma infinidade argumentos racionais.

Portanto, quando estiver prestes a pedir uma atitude de bom senso para alguém ou quando estiver prestes apresentar algum argumento regado ao seu próprio bom senso, lembre-se destas reflexões. Talvez seja melhor seguir pela via da empatia, buscando compreender e validar o ponto de vista da outra pessoa, mesmo que ele seja totalmente diferente do seu.

Todo mundo tem seu próprio bom senso. E ele geralmente está correto.

Um grande abraço e até breve...

O conteúdo e a opinião expressa neste artigo não representam a opinião do Grupo CIMM e são de responsabilidade do autor.
Foto_perfil

Samanta Luchini

Mestre em Administração com Foco em Gestão e Inovação Organizacional, Especialista em Gestão de Pessoas pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS e em Neurociência pela Unifesp.
Psicóloga pela Universidade Metodista de São Paulo.
Executive & Life Coach em nível Sênior, com formação internacional pelo ICI (Integrated Coaching Institute) em curso credenciado pela ICF (International Coach Federation).
Professora convidada dos programas de pós-graduação da FGV/Strong, Universidade Metodista e Senac, dos programas de MBA da Universidade São Marcos e Unimonte, e dos cursos FGV/Cademp, para a área de Gestão de Pessoas.
Professora conteudista do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos – UNIFEOB.
Formadora de consultores e treinadores comportamentais.
Atua há mais de 23 anos com Gestão de Pessoas em diversas empresas e segmentos, dentre elas Wickbold, Bridgestone, Bombril, Solar Coca-Cola, Porto Seguro, Grupo M. Dias Branco, Prensas Schuler, Arteb, Grupo Mardel, Tegma, Pertech, Sherwin-Williams, Grupo Sigla, Unilever, Engecorps, Nitro Química, Grupo Byogene, Netfarma, NTN do Brasil, TW Espumas, Ambev, Takeda, Pöyry Tecnologia,
Neogrid, Scania, Kemp, Ceva Saúde Animal, Embalagens Flexíveis Diadema, Sem Parar, CMOC, Camil e Toyota.
Em sua trajetória profissional e acadêmica, já desenvolveu mais de 27.000 pessoas, com uma média de avaliação superior a nota 9,0 em todos seus treinamentos.
Palestrante, consultora de empresas e autora de diversos artigos acadêmicos publicados em congressos e revistas.
Colunista da revista Manufatura em Foco – www.manufaturaemfoco.com.br


Mais artigos de Samanta Luchini