Medium_foto_perfil
Samanta Luchini    |   10/06/2018   |   Desenvolvimento Humano   |  

Sua mente está a favor ou contra você?

Nossa mente pode ser nossa maior aliada e, com o mesmo potencial, ela pode ser nossa pior inimiga. Isso acontece pela atuação de sabotadores, que que trabalham contra aquilo que é melhor para nós. Conhecer o modo de ação desses sabotadores é o primeiro passo para enfraquecê-los e com isso, de ter acesso à nossa melhor versão.

Você já deve ter observado que determinados planos ou objetivos que traçamos fracassam sem um motivo verdadeiramente racional ou relevante. Uma conversa difícil com o chefe, a tentativa de experimentar um hábito novo ou de se libertar de um hábito velho, aquela dieta que começa na segunda e é interrompida na terça, aquele relacionamento amoroso cujo prazo de validade já venceu há muito, mas que ainda faz parte da sua vida.

É fato que, o chefe pode agir de forma ríspida e grosseira, inviabilizando por completo qualquer possibilidade de diálogo. Justo no dia em que você decidiu fazer uma caminhada, chove torrencialmente e a chuva se estende por mais três dias inteiros. Ou no dia em que você decide pôr um fim naquele namoro que já não atende mais suas necessidades e expectativas, a pessoa chega na sua casa arrasada por ter acabado de perder o emprego. Tudo isso faz com que seus objetivos não possam ser atingidos de imediato e que você precise desenvolver novas estratégias de ação para lidar com esses problemas.

Mas é curioso observar que muitos desses fracassos acontecem sem a incidência de obstáculos externos, que nestes exemplos são representados pelo chefe agressivo, pela chuva que durou 3 dias e pela perda do emprego de seu namorado ou namorada. Uma grande parte dos nossos fracassos se dá pela existência de obstáculos internos, isto é, crenças irracionais, modelos mentais limitadores, generalizações e, principalmente, pela auto sabotagem, que vamos analisar em maior profundidade nesse texto.

A auto sabotagem acontece pela repetição de pensamentos e comportamentos improdutivos que inconscientemente nos impede de atingir o que queremos, como se tivéssemos medo de usufruir de nossas próprias vitórias. Ela pode se manifestar em todas as áreas da vida e é muito mais comum do que você possa imaginar.

Em 1916, Sigmund Freud escreveu um artigo de grande impacto no mundo científico intitulado “Os que Fracassam ao Triunfar”. Neste trabalho, ele falava sobre pessoas que tinham medo de ter satisfação e desta forma, sentiam-se aliviadas quando aquilo que estavam fazendo não dava nada certo. É como se alguém tivesse tudo para ser feliz e, de alguma forma, conseguisse arrumar um jeito de criar problemas e fugir da felicidade.


Continua depois da publicidade


Isso significa que nossa mente pode ser nossa maior aliada e, com o mesmo potencial, ela pode ser nossa pior inimiga. Sua mente pode estar a favor ou contra você.

O psicólogo Shizard Chamine, doutor em neurociência e professor na Universidade de Stanford, explica em seu livro “Inteligência Positiva” (Editora Fotanar, 2013) porque apenas 20% das pessoas e das equipes de trabalho alcançam seu verdadeiro potencial e entregam com alta performance. Isso acontece pela atuação de sabotadores, que nos impedem de ter acesso à nossa melhor versão.

Os sabotadores formam conjunto de padrões mentais automáticos e habituais, cada um com sua própria voz, crença e suposições que trabalham contra aquilo que é melhor para nós. Eles existem em todas as culturas, faixas etárias e nos dois gêneros, porque estão ligados às funções cerebrais que se concentram na sobrevivência.

Eles são desenvolvidos na infância para conseguirmos sobreviver às ameaças que percebemos na vida, tanto físicas como emocionais.

A infância pode ser considerada como campo minado emocional, independentemente de quão bons e presentes foram nossos pais. De maneira geral todas as crianças experimentam medo de perda, ansiedade de separação, sensação de ser preterido entre os irmãos, sensação de ser feio, imperfeito ou incompetente, rejeição, sensação de não ser aceito e admirado.

Os sabotadores funcionam como uma “tala de gesso” que foi colocada num osso fraturado, mas que mesmo depois da recuperação total, continua lá. Sendo assim, criam limites para nossa liberdade mental e emocional. Mente engessada é um termo bastante utilizado e propício para explicar essa questão.

Quando chegamos à idade adulta, esses sabotadores não são mais necessários, porém continuam funcionando se tornam habitantes invisíveis da nossa mente. Em geral, nós nem sabemos que eles existem.

Shizard Chamine identificou em suas pesquisas a atuação de dez sabotadores. O principal deles é o Crítico, que ganha mais poder e influência com a ajuda de outros nove sabotadores cúmplices: o Insistente, o Prestativo, o Hiper-realizador, a Vítima, o Hiper-racional, o Hipervigilante, o Inquieto, o Controlador e o Esquivo. É como se esse Crítico, que todos nós temos dentro da nossa mente, tivesse nove possibilidades diferentes de manifestar e de se fortalecer.

E ainda há um agravante: os sabotadores tentam se passar por nossos aliados e nos contam mentiras altamente justificáveis, como se fosse nosso dever permitir e incentivar a atuação de cada um deles.

Quero convidá-lo a analisar brevemente a atuação do Crítico e dos outros nove sabotadores cúmplices, pois o primeiro passo para vencer ou diminuir a influência de um sabotador é saber como ele funciona.

O sabotador Crítico é aquele que acha defeito em tudo em todos. É responsável pela maior parte dos nossos sentimentos de estresse, ansiedade, frustração, decepção, arrependimento e culpa. Esses sentimentos resultam diretamente do ato de criticar a si mesmo, os outros, as situações ou os resultados. Ele também é a causa de muitos conflitos de relacionamento. Quando atua em si mesmo, se atormenta por erros passados e falhas atuais. Quando atua nos outros se concentra no que está errado ao invés de apreciar as coisas boas. Faz comparações o tempo todo acerca do que é superior e inferior. A principal mentira que o Crítico nos conta é a de que “Se eu não fizer você se sentir mal em relação a resultados negativos, você não vai fazer nada para mudá-los.”

O sabotador Insistente também é conhecido como perfeccionista. Para ele a necessidade de ordem e organização levadas longe demais. É pontual, metódico, altamente crítico de si mesmo e dos outros no que se refere à perfeição. É altamente sensível a críticas. Experimenta frustração constante e decepção consigo mesmo e com os outros por não alcançar os altos padrões que ele mesmo impõe. Também fica angustiado por medo de que os outros estraguem a ordem e o equilíbrio que ele criou. A principal mentira que o Insistente nos conta é a de que “O perfeccionismo é bom e me faz sentir bem comigo mesmo.”

O sabotador Prestativo é aquele que tenta o tempo todo obter aceitação e afeição por meio de ajuda, agrado, resgate ou elogio aos outros. Invalida as próprias necessidades e se torna ressentido como resultado. Tem medo de insistir nas próprias necessidades e com isso afastar as pessoas de si. Está sempre elogiando as pessoas e atendendo necessidades que elas ainda nem sequer manifestaram e como faz isso de maneira indireta, deixa as pessoas se sentindo obrigadas a retribuir. A principal mentira que o Prestativo nos conta é a de que “O mundo seria um lugar melhor se todo mundo fizesse o mesmo.”

O sabotador Hiper-realizador é o típico workaholic. É competitivo e sabe muito bem como disfarçar inseguranças e mostrar uma imagem positiva.  Dependente muito de desempenho e realizações constantes para se auto afirmar, acaba perdendo contato com necessidades emocionais das pessoas e cria relações superficiais. Às vezes se sente vazio e deprimido, mas não passa muito tempo pensando nisso pois não pode se distrair com sentimentos. A principal mentira que o Hiper-realizador nos conta é a de que “O objetivo da vida é alcançar realizações e produzir resultados.” Pare um instante para verificar quantas vezes já ouviu essa frase saindo da boca de colegas de trabalho, chefes e amigos.

O sabotador Vítima abusa do seu estado emocional e temperamental para conquistar atenção e afeição. Gosta de alimentar sentimentos dolorosos e para manter a sua eterna tendência de ser um mártir, fica inconscientemente ligado a ter dificuldades. Faz drama e quando as coisas ficam difíceis de fato, quer desmoronar e desistir. Está sempre se sentindo mal-humorado, deprimido, apático e fadigado. A principal mentira que a Vítima nos conta é a de que “Talvez assim eu receba um pouco do amor e atenção que mereço.”

O sabotador Hiper-racional é aquele que tem foco intenso e exclusivo no processamento racional de tudo, incluindo relacionamentos. Pode ser percebido como frio, distante e intelectualmente arrogante. Possui uma mente intensa, ativa e concentrada. Costuma ser cético e cínico. Se sente diferente, sozinho, incompreendido e frustrado pelos outros serem emocionais e irracionais. A principal mentira que o Hiper-realizador nos conta é a de que “A mente racional é a coisa mais importante.”

O sabotador Hipervigilante é aquele que carrega a nuvem preta em cima da cabeça. Seu foco está no que pode dar errado, ele nunca pode descansar. Está sempre ansioso quanto a todos os perigos da vida. Possui uma sensibilidade extraordinária a sinais de perigo e desconfia do que os outros estão fazendo. A expectativa é de que as pessoas vão estragar tudo. A principal mentira que o Hipervigilante nos conta é a de que “A vida é cheia de perigos. Se eu não ficar alerta, quem vai ficar?”

O sabotador Inquieto é aquele que não tem sossego. Está em constante busca de maior excitação na próxima atividade ou se ocupando constantemente. Raramente fica em paz ou satisfeito com a atividade do momento. Distrai-se facilmente e procura novos estímulos ao redor. Sente-se impaciente com o que está acontecendo no presente e precisa saber o que vem depois. Tem medo de perder experiências que valham mais a pena. A principal mentira que o Inquieto nos conta é a de que “A vida é curta demais, por isso precisa ser vivida intensamente.”

O sabotador Controlador é aquele que precisa assumir a responsabilidade e controlar situações, forçando as pessoas a fazerem o que ele quer. Sente alta ansiedade quando as coisas não acontecem como ele deseja. Fica com raiva e intimidado quando os outros não o obedecem. É determinado, confrontador, direto e às vezes, muito crítico. Leva as pessoas além de suas zonas de conforto. A principal mentira que o Controlador nos conta é a de que “Sem mim, você não consegue fazer muita coisa.”

O sabotador Esquivo é o que deixa tudo para depois. Procrastinar é o seu lema! Concentra-se fortemente no que é positivo e agradável, fugindo de tarefas ou conflitos difíceis e desagradáveis. Tem dificuldade em dizer não e diz sim para as coisas que não deseja realmente. Sente ansiedade pelo que foi evitado e tem medo que a paz conquistada com dificuldade seja interrompida. A principal mentira que o Esquivo nos conta é a de que “Nada de bom pode resultar de um conflito.”

Acredito que a essa altura do texto você já conseguiu se identificar com algum destes sabotadores cúmplices. Ou talvez tenha conseguido enquadrar as pessoas mais próximas dentre esses nove perfis.

A partir daí, poderá entender um pouco melhor a si mesmo as pessoas com quem convive. Esse nível de autoconhecimento é primeiro passo para enfraquecer a atuação do sabotador e começar agir com o seu verdadeiro eu, como protagonista.

Shizard Chamine ensina que o enfraquecimento do sabotador acontece quando ensinamos o nosso cérebro a dissociar o sabotador da nossa própria pessoa. Como se a cada manifestação do sabotador, fossemos capazes de rotular “Esse comentário, pensamento, sentimento ou julgamento não é meu, é do meu sabotador”. No seu livro, Chamine nos dá muitas outras dicas para seguir com esse importante processo de mudança e chegarmos à nossa melhor versão.

Um grande abraço e até breve...

O conteúdo e a opinião expressa neste artigo não representam a opinião do Grupo CIMM e são de responsabilidade do autor.
Foto_perfil

Samanta Luchini

Mestre em Administração com Foco em Gestão e Inovação Organizacional, Especialista em Gestão de Pessoas pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS e em Neurociência pela Unifesp.
Psicóloga pela Universidade Metodista de São Paulo.
Executive & Life Coach em nível Sênior, com formação internacional pelo ICI (Integrated Coaching Institute) em curso credenciado pela ICF (International Coach Federation).
Professora convidada dos programas de pós-graduação da FGV/Strong, Universidade Metodista e Senac, dos programas de MBA da Universidade São Marcos e Unimonte, e dos cursos FGV/Cademp, para a área de Gestão de Pessoas.
Professora conteudista do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos – UNIFEOB.
Formadora de consultores e treinadores comportamentais.
Atua há mais de 23 anos com Gestão de Pessoas em diversas empresas e segmentos, dentre elas Wickbold, Bridgestone, Bombril, Solar Coca-Cola, Porto Seguro, Grupo M. Dias Branco, Prensas Schuler, Arteb, Grupo Mardel, Tegma, Pertech, Sherwin-Williams, Grupo Sigla, Unilever, Engecorps, Nitro Química, Grupo Byogene, Netfarma, NTN do Brasil, TW Espumas, Ambev, Takeda, Pöyry Tecnologia,
Neogrid, Scania, Kemp, Ceva Saúde Animal, Embalagens Flexíveis Diadema, Sem Parar, CMOC, Camil e Toyota.
Em sua trajetória profissional e acadêmica, já desenvolveu mais de 27.000 pessoas, com uma média de avaliação superior a nota 9,0 em todos seus treinamentos.
Palestrante, consultora de empresas e autora de diversos artigos acadêmicos publicados em congressos e revistas.
Colunista da revista Manufatura em Foco – www.manufaturaemfoco.com.br


Mais artigos de Samanta Luchini