Conteúdo local desafia o setor de petróleo

Com exigência da ANP, empresas do segmento investem em novas fábricas no Brasil

 

O setor de petróleo e gás é a grande aposta do Brasil na área de energia para os próximos anos. Segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia 2021, do governo federal, o setor vai responder por 68% dos investimentos, estimados em US$ 1 trilhão. No mesmo período, a produção de petróleo deve passar dos atuais 2 milhões de barris por dia para 5,4 milhões de barris diários.
 
O ambiente de negócios está cheio de oportunidades, mas também de desafios. Um dos maiores é conseguir desenvolver uma cadeia de fornecedores a tempo de atender a demanda, que cresce em ritmo explosivo, e de forma a cumprir os requisitos de nacionalização.
 
Desde 2005, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) exige de 37% a 85% de conteúdo local dos consórcios responsáveis pela exploração em cada poço. A requisição varia de acordo com a profundidade em que está o petróleo e da etapa da exploração.
 
As multinacionais de equipamentos que entraram de cabeça nesse mercado desenvolveram estratégias variadas para aumentar a nacionalização dos seus produtos. A General Electric (GE) inovou ao adaptar fornecedores do setor automotivo para atender às demandas do setor petroleiro.
 
A iniciativa começou há pouco mais de um ano, quando a empresa implementou um programa para encontrar fornecedores para suas linhas de produção que tinham dificuldade em comprar matéria-prima e componentes produzidos localmente. Entre os setores, um dos mais importantes foi o de equipamentos para petróleo e gás, que incluem a produção de árvores de natal, cabeças de poço, turbogeradores e válvulas.
 
"Eles [do setor automotivo] tem uma mentalidade clara de qualidade e capacidade de investimento; não se assustam com a necessidade de investir dez ou quinze milhões de reais em uma linha de produção", afirma o diretor de suprimentos da GE Energy, Maurício Valadares.
 
Agora, no segundo semestre de 2012, estão sendo fabricadas, por esses fornecedores, as primeiras peças produzidas para equipamentos de petróleo e gás da GE. De acordo com o diretor, um resultado bastante satisfatório e que vem mostrando o sucesso da iniciativa. "Há dificuldades, como a questão de não serem peças seriadas [como no meio automotivo], mas, de forma geral, o saldo é muito positivo", afirma o executivo.
 
Valadares conta que tem sido fundamental o engajamento da GE no processo de adaptação. A empresa envia "engenheiros residentes" que acompanham passo a passo da instalação da nova linha de montagem. A GE tem também, no Brasil, cerca de 30 engenheiros de qualidade que analisam peça a peça para saber se elas atendem aos padrões da companhia.
 
Outro caminho trabalhado pela GE foi de prospectar fornecedores estrangeiros. Em março, a empresa promoveu um encontro entre 50 fornecedores internacionais e 50 locais. Só na área de petróleo e gás, a empresa convenceu seis fabricantes a virem ao país (três da Itália, um da Espanha, um dos Estados Unidos e um da República Tcheca). As empresas estudam se montarão unidades próprias ou se irão se associar a fabricantes locais.
 
A ABB, de sistemas e automação, também seguiu a linha de trabalhar com proximidade dos fornecedores. Em alguns casos, a companhia resolveu, porém, produzir ela mesma componentes antes importados. É o caso de disjuntores, motores, geradores e acionamentos elétricos, usados em sistemas para o mercado de petróleo e que passarão a ser produzidos na nova fábrica da ABB em Sorocaba (SP). A empresa está investindo US$ 200 milhões até 2015 para ampliar a capacidade de produção no país, com a construção da unidade e a expansão de outras fábricas.
 
Para trazer a produção para cá, no entanto, é necessário haver condições de mercado. "É caro produzir no Brasil e isso tem que ser avaliado caso a caso, é preciso haver ganho de escala, se não é melhor comprar de terceiros", afirma Sandy Taylor, presidente global da unidade de petróleo e gás da ABB.
 
Outra que aposta em trazer processos da fabricação de equipamentos para o Brasil é a Rolls Royce, que está fazendo investimentos da ordem de R$ 200 milhões em uma nova fábrica, em Santa Cruz (RJ). A unidade é parte do plano de substituir importações, no valor de US$ 1,5 bilhão nos próximos dez anos, e estreitar o relacionamento com fornecedores brasileiros.
 
Atualmente, os turbogeradores da companhia têm parte do material comprado localmente e parte importada. A montagem é feita parcialmente no exterior e a expectativa é que esses processos sejam nacionalizados até 2016.
 
De acordo com o presidente da empresa no Brasil, Francisco Itzaina, a estratégia de fazer uma transição gradual é muito importante para a empresa e permitirá que ela chegue a 50% das plataformas da Petrobras nos próximos anos - hoje, a empresa atende a 40% das plataformas da estatal.
 
A companhia analisa com cuidado quais processos e materiais podem ser feitos e adquiridos localmente, sem comprometer a competitividade. No passado, relata Itzaina, a Rolls Royce teve experiências negativas como a tentativa de produzir, no país, módulos de energia para plataformas. "O jeito que foi exigido não era o nosso forte, tínhamos de comprar aço em pouca quantidade e não era lógico fazer assim", diz. Segundo o executivo, foi e está sendo um processo de aprendizagem para os empresários do setor. Os módulos, por exemplo, passaram a ser fabricados pelos estaleiros, que já adquirem aço em escala para construir embarcações.
 
A questão da competitividade dos equipamentos com maior grau de nacionalização é um ponto que vem sendo analisado de perto pela Siemens. O diretor da divisão de petróleo e gás da empresa no Brasil, Welter Benício, considera que a empresa tem alguma "tranquilidade" em cumprir os requisitos de nacionalização, por estar há décadas estabelecida no país. No entanto, ele afirma que a Siemens decidiu manter certos componentes importados por razões estratégicas.
 
Sobre usar uma cadeia de fornecedores locais ou instalar linhas de produção de componentes para atender aos requisitos de nacionalização, Benício entende que o importante é saber o que deve ou não ser terceirizado. "Aquilo que é 'core' é mantido dentro de casa, outros componentes, que não são tão vitais, a gente passa para fora, como componentes mecânicos, elétricos."
 
O executivo afirma que expandir a produção no Brasil é um caminho importante para o país e que tem o apoio das empresas do setor. O processo, porém, deve ser feito analiticamente, trazendo linhas de montagem de componentes na medida em que for viável e terceirizando com fornecedores locais ao passo em que a cadeia for se desenvolvendo. "Quanto mais madura for a cadeia, mais fácil será para nós terceirizar."
 
Por Ana Fernandes/ Valor Econômico
 

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