Com Euro 5, venda de caminhão desaba

Falta de diesel e desaceleração econômica derrubam produção e fábricas param

Funcionário da Mercedes-Benz de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, o montador F.M., de 32 anos, fez o equivalente a um mês de jornada extra em 2011, trabalhando em diversos sábados, domingos e feriados. Dos oito anos em que é funcionário da montadora, 2011 foi o mais puxado. "Trabalhamos sábado sim, sábado não, alguns domingos e quase todos os feriados", afirma. "Eu fiz 32 dias de jornada extra."

Agora, F.M. está no grupo de 1,5 mil funcionários que inicia hoje um período de cinco meses de licença temporária (lay-off). É a primeira vez que a montadora adota essa medida. A Mercedes confirma que operou com jornadas extras durante todo o ano passado. Boa parte foi para formar estoque de caminhões com tecnologia Euro 3, que em janeiro foi substituída pelo Euro 5, que é menos poluente e mais econômica, porém mais cara.
 
"Houve um excesso de produção do Euro 3", avalia Arnaldo Brazil, da consultoria MSX International. Crente que haveria corrida às concessionárias, já que o novo caminhão ficaria entre 8% e 15% mais caro, todas as montadoras, que já estavam embaladas pela demanda mais forte no primeiro semestre, reforçaram estoques a partir de junho. A produção do setor bateu recorde, com 216,2 mil caminhões, 13,9% mais que no ano anterior.
 
As vendas também foram as melhores da história, atingindo 172,9 mil unidades, alta de 9,6% ante 2010. De fato, houve antecipação de compras, mas abaixo do esperado. "As empresas acreditavam que os estoques do Euro 3 durariam até março, mas já estamos em junho e ainda tem muito caminhão na rede", afirma Brazil. As montadoras informam ter estoques para 60 dias de vendas nos seus pátios e nas concessionárias, o dobro do considerado normal.
 
Erros. O erro estratégico das montadoras veio junto com a incapacidade da Petrobrás de garantir amplo abastecimento do novo combustível usado nos caminhões Euro 5, o S-50 (diesel com 50 partes por milhão de enxofre). E ainda cruzou pelo caminho com a desaceleração da economia, que retraiu encomendas da indústria, do comércio e do segmento agrícola.
 
O resultado é uma queda de 12,5% nas vendas deste ano (para 59,6 mil caminhões) e de 32,8% na produção (para 54,1 mil unidades) em comparação aos primeiros cinco meses de 2011.
 
O cenário para 2012 é de continuidade da retração, mesmo após o governo ter adotado medidas de incentivo, como a redução da taxa de juros para financiamentos via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
 
Os mais otimistas, como o presidente da MAN/Volkswagen, Roberto Cortes, projetam queda de 8% a 10% nas vendas totais do mercado este ano. Oswaldo Jardim, da Ford, trabalha com redução de 15% a 20% nas vendas e de 30% a 40% na produção.
 
Diante desse quadro, fabricantes e seus fornecedores de peças seguem adotando medidas de corte de produção. A Ford, que desde janeiro opera quatro dias por semana na fábrica de São Bernardo do Campo, vai dar mais duas semanas de férias coletivas no fim deste mês. Em 2011, a montadora chegou a produzir 23 caminhões por hora. Hoje, fabrica 16,5.
 
"Nós prevíamos uma queda de vendas neste ano, mas não na magnitude em que está ocorrendo", diz Jardim, ao admitir que a indústria subestimou a dificuldade para a transição da nova tecnologia. Na Europa e nos Estados Unidos, a mudança, promovida há alguns anos, também resultou em queda temporária de negócios, mas em proporções bem menores que no Brasil.
 
Falta diesel. "Graças a Deus não tenho nenhum caminhão Euro 5", afirma Urubatan Helou, diretor-presidente da Braspress, uma das grandes transportadoras do País, com frota de 1,2 mil caminhões. O executivo informa que todo ano adquire entre 150 e 200 novos veículos, ação que não fará este ano.
 
Preocupado com a distribuição do S-50, cujo preço médio é 5% maior que o do diesel comum, Helou comprou 350 caminhões no ano passado - 150 que estavam previstos e 200 que seriam adquiridos neste ano. "Muitos outros frotistas fizeram a mesma coisa", afirma. Quem não fez está arrependido, diz. "Há muita dificuldade para abastecimento principalmente nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste."
 
O gerente de projetos da consultoria Prime Action, Laudenir Savoine, ressalta que, além de todos os problemas da mudança da tecnologia, a retração da economia afeta a demanda. O crédito para a aquisição do caminhão também continua restrito. A expectativa dos fabricantes é de uma melhora neste segundo semestre, principalmente para o transporte da safra agrícola.
 
Sérgio Nobre, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, chegou a pedir audiência com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao ver a onda de férias coletivas nas fábricas. Com o pacote anunciado em maio (corte de juros de 7,7% para 5,5% ao ano e ampliação do prazo de financiamento de 96 para 120 meses) ficou mais tranquilo, mas acha que a ajuda só tem efeito no curto prazo.
 
"Para o longo prazo, é preciso um agressivo programa de renovação de frota", afirma Nobre, que voltará a defender essa bandeira nas negociações com o governo. A idade média da frota brasileira é de 9 anos e 10 meses.
 
Entre o empresariado do setor, também já há um grupo que defende a extensão das medidas, por enquanto previstas até o fim de agosto. Para alguns executivos, o benefício deveria ser mantido pelo menos até o fim do ano.
 
Por Cleide Silva/O Estado de São Paulo

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