Hidrogel capaz de estocar CO2 no solo será desenvolvido e testado no Brasil

Entre os diversos esforços para diminuir o efeito estufa na atmosfera estão projetos voltados a promover o sequestro de dióxido de carbono (CO2) com soluções baseadas na natureza. No geral, são tecnologias com grande potencial disruptivo e que poderão abrir frente para uma nova cadeia de valor na captura, uso e armazenamento de carbono. É o caso de um hidrogel que está sendo desenvolvido por pesquisadores de diversas instituições da Universidade de São Paulo (USP), sob a liderança do Centro de Pesquisa para Inovação em Gás (RCGI) – um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído por FAPESP e Shell na Escola Politécnica (Poli-USP). 

O projeto, denominado Programa Hidrogel, é financiado pela Shell Brasil com recursos da Cláusula de Investimento em P&D dos Contratos de Concessão da ANP. 

Composto por material orgânico, o hidrogel será produzido com moléculas sintetizadas a partir de CO2. Uma vez usado no plantio, os grânulos do produto se degradariam e liberariam o carbono para estocá-lo no solo. Segundo Alexandre Breda, executivo da Shell e vice-diretor do RCGI, o produto será desenvolvido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) a partir de ácido oxálico e um biomonômero. O ácido oxálico, por sua vez, será produzido pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) a partir do CO2. 

Uma vez pronto, o hidrogel será testado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP). Em paralelo, o Instituto de Energia e Ambiente (IEE-USP) irá propor os padrões normativos necessários para a entrada do produto no mercado. O IEE-USP já desenvolve um trabalho focado na produção de documentos normativos para a aplicação global desse tipo de tecnologia, em conformidade com as normais internacionais. O trabalho abrange tanto soluções baseadas na natureza como aquelas que permitem transformar CO2 em produtos químicos de alto valor agregado. 

Sumidouro de CO2 

O CO2 é apontado como um dos principais gases causadores do efeito estufa e das mudanças climáticas. Sua quantidade na atmosfera vem crescendo principalmente devido à queima de combustíveis fósseis. Estocar o excedente desse carbono é uma ação urgente e recomendada para ajudar a mitigar o efeito estufa. E o solo, que já faz o processo de estocagem de forma natural, tem potencial para ser um grande sumidouro de CO2. É aí que entra o papel da Esalq-USP nos testes com o hidrogel. 


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"Além de quantificar a estocagem de CO2, queremos saber quais são os possíveis benefícios do hidrogel para o solo e para as plantas em condições de clima tropical", conta o coordenador da pesquisa, Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, professor do Departamento de Ciência do Solo da Esalq-USP, à Assessoria de Comunicação do RCGI. 

Segundo ele, quando um material orgânico se decompõe no solo, parte do dióxido de carbono gerado fica retido na terra e o restante retorna à atmosfera na forma de gás. "Em condições naturais, aproximadamente um terço do carbono fica retido no solo. O que buscamos saber é o quanto do carbono do hidrogel ficará estabilizado no solo em condições tropicais", afirma. 

Somada à estocagem do CO2 pelo solo, o ácido oxálico produzido pelo Ipen terá pegada negativa de carbono no processo de captura. Segundo Thiago Lopes, responsável por essa parte da pesquisa, o CO2 será transformado em ácido oxálico pela rota eletroquímica e/ou fotoeletroquímica. 

"Com o uso de eletricidade [ou fótons] de fontes renováveis poderíamos capturar perto de duas moléculas de CO2 para produzir o ácido oxálico. Criaríamos um círculo virtuoso de sorvedouro do gás de efeito estufa, promovendo o pagamento da dívida histórica de emissões da nossa sociedade", afirma Lopes. 

Relação solo-planta 

Outro desafio da pesquisa é avaliar o desempenho do hidrogel na relação solo-planta. A expectativa é que os grânulos do produto, uma vez umidificados, retenham água e a liberem gradualmente para a planta, o que diminuiria a necessidade de irrigação, aumentaria a absorção de macro e micronutrientes pela planta, além de trazer benefícios para as propriedades do solo. 

"O fato de o hidrogel ser biodegradável tem vantagens que vão além da questão ambiental. Uma delas é aumentar a taxa de absorção de micronutrientes, algo que só ocorre na solução do solo. Outra é propiciar condições favoráveis para a proliferação de microrganismos benéficos no solo, o que potencialmente aumentaria a competição com patógenos causadores de doenças", afirma Cerri. 

Um dos aspectos mais interessantes da pesquisa é referente à troca de cátions no solo. Segundo Cerri, boa parte dos elementos que a planta absorve tem carga positiva (cátions). No entanto, o solo brasileiro tem pouca carga negativa, o que significa que muitos dos nutrientes com carga positiva acabam não se fixando e se perdendo por lixiviação. "A proposta é usar o hidrogel com argilas para aumentar a carga negativa no solo e, assim, otimizar a capacidade de troca de cátions", afirma. 

Caberá ao Instituto de Química da UFRGS produzir um hidrogel com essa capacidade. O trabalho está sendo liderado pelo professor Douglas Gamba, do Departamento de Química Orgânica, e prevê o uso do ácido oxálico produzido pelo Ipen, com seus derivados ésteres etílicos, além de produtos de fontes renováveis, como glicerol ou poliglicerol e diferentes hidroxiácidos carboxílicos naturais. Tal composição resultará em um hidrogel com alta capacidade de absorção e retenção de cátions no solo. 

Outra aplicação promissora, que poderá ser estudada mais à frente, é fazer do hidrogel um meio de entrega de xenobióticos nas culturas. Em vez de pulverizar grandes quantidades de pesticidas, por exemplo, os produtos químicos seriam disponibilizados pelo hidrogel de forma mais efetiva e controlada. 

Inicialmente, os testes na Esalq-USP serão feitos em sistemas fechados, que propiciam melhor controle dos experimentos. Depois é que se partirá para avaliação em campo. Estão previstos testes com cinco culturas, de ciclos diversos: gramíneas, soja, milho, eucalipto e cana-de-açúcar, por exemplo. Os primeiros resultados deverão sair em menos de dois anos. Após quatro anos, o grupo espera ter dados suficientes para subsidiar a tomada de decisão sobre o potencial do uso do hidrogel nos agrossistemas do Brasil. 

* Com informações da Assessoria de Comunicação do RCGI