Zona Franca de Manaus fecha 10 mil vagas

Demissões são concentradas nos setores de motos e eletrodomésticos.

A estagnação da economia atinge em cheio dois dos principais polos industriais da Zona Franca de Manaus: duas rodas e eletroeletrônicos. E a tendência é é a situação piorar em 2015, com o anunciado corte nos gastos públicos. A Zona Franca emprega 120 mil trabalhadores e tem contribuído para a geração de cerca de dois milhões de empregos indiretos em todo o país. Neste ano, entretanto, o polo industrial deve fechar 10 mil vagas, segundo estimativas do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam). E as contratações temporárias para o Natal caíram mais da metade, de 9,5 mil trabalhadores para 3,2 mil.

O diagnóstico de empresários e sindicalistas da região é que as razões da crise são a restrição ao crédito para aquisição de motocicletas, principalmente de baixa cilindrada (até 150 e usadas para trabalho de motoboys e mototaxistas) e a queda nas vendas de eletroeletrônicos, decorrente do esfriamento da economia. O quadro se agrava diante da falta de uma política industrial que estimule o desenvolvimento da região e de investimentos em pesquisa e em novas tecnologias. Os gargalos na infraestrutura local são um ingrediente a mais na piora da competitividade da Zona Franca.

As fábricas da Honda e da Yamaha demitiram este ano cerca de seis mil trabalhadores. O setor de eletroeletrônicos também vem eliminando vagas. Mas, além da queda nas vendas, boa parte dos cortes está concentrada em fábricas em processo de estruturação e que perderam mercado para as gigantes LG e Samsung, com tecnologia mais avançada.

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas, Valdemir Santana, cita alguns exemplos de empresas que perderam espaço no mercado e estão enxugando o quadro de funcionários. A Philco, que foi vendida e teve a marca alugada para a Britânia, e a Lenovo (antiga CCE) vivem esse processo. Juntas, estas fábricas já demitiram 2,5 mil trabalhadores. Sony, Panasonic e Semp Toshiba, que empregavam em torno de nove mil funcionários e atualmente têm três mil, engrossam a lista.


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Entre quinta e sexta-feira da semana passada, o sindicato homologou cerca de cem rescisões de trabalhadores da Semp Toshiba. Ligadas ao setor de eletroeletrônicos, as fábricas de plástico acumulam quatro mil demissões, pelas contas da entidade, motivadas principalmente pela proliferação das tevês com tecnologia LED, que utilizam menos esses materiais.

Falta de qualificação de pessoal

Mãe de três filhos, a assistente administrativa Ana Carolina Gomes, de 27 anos, foi demitida em outubro pela Philco, onde trabalhava desde 2012. Alegaram corte de custos. Outros 500 colegas também foram desligados na mesma época. Conseguir um novo emprego na região não está fácil.

"Quando surge uma vaga, eles exigem muita experiência, qualificação e cursos de especialização. Acontece que a gente não tem dinheiro para pagar esses cursos", queixa-se Ana Carolina.

O gerente de Relações Institucionais da Honda, Mário Okubo, informa que a fábrica deixará de produzir neste ano entre 120 mil e 130 mil motocicletas, queda de 10% em relação ao ano anterior. A fábrica suspendeu o expediente nas sextas-feiras em setembro e outubro e demitiu. Segundo o executivo, as vendas caíram devido às restrições ao crédito: de cada dez pedidos, oito são recusados pelas financeiras. Antes, era o inverso. Para ele, a situação tende a piorar em 2015, com a promessa de ajuste nas contas públicas, aumento nos juros e menos incentivo ao consumo.

O presidente do Sindicato da Indústria de Aparelhos Eletroeletrônicos de Manaus, Celso Piacentini, disse que a situação não chega a ser “catastrófica” porque as empresas de tecnologia de ponta acabam absorvendo trabalhadores. Ele considera as demissões entre novembro e dezembro sazonais, pois nesse período do ano a indústria já produziu as encomendas. Destaca ainda que houve uma antecipação das vendas de televisores com a Copa do Mundo. Reforça, entretanto, a avaliação de que 2015 será um ano difícil: "Prevemos um futuro mais apertado".

Valdemir Santana, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, avalia que, além de política industrial, o governo tem que fazer que os recursos arrecadados pela Zona Franca para financiar pesquisa e desenvolvimento fiquem na região.

"Temos que desenvolver uma tecnologia nossa. Os centros de tecnologia das empresas instaladas na Zona Franca estão localizados fora do país", disse.

Empresários acusam Tesouro

O presidente do Cieam, Wilson Périco, acusa o Tesouro Nacional de reter os recursos arrecadados pela Zona Franca que deveriam ser investidos em programas de desenvolvimento da região. E, segundo Périco, cerca de R$ 1 bilhão foi destinado ao agronegócio e ao programa Ciência Sem Fronteira neste ano.

A burocracia do governo federal é outro problema. O Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) foi criado em 2002 com investimentos de R$ 120 milhões, mas até hoje não tem modelo de gestão, quadro funcional, nem CNPJ. Ele foi idealizado para desenvolver projetos em cosméticos, medicamentos e alimentação, aproveitando os recursos naturais, como açaí, guaraná, buriti, mas, sem estrutura, utiliza apenas 30% de sua capacidade.

Para o professor da PUC-AM e consultor do Cieam, Alfredo Lopes, a Zona Franca só conseguirá caminhar sem depender dos incentivos federais (que foram prorrogados por mais 50 anos), se o governo adotar um plano para estimular o desenvolvimento da região, destravar os gargalos e patrocinar projetos para explorar o potencial da floresta.

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) informou que está trabalhando para reestruturar o centro de biotecnologia: “Estamos trabalhando para estruturar processos críticos, como a compra de insumos, contratação de pessoal e atração de pesquisadores”. O texto diz ainda que, apesar das críticas, “a economia da região tem expansão acima da média nacional em 2014” e que a média mensal dos empregos até setembro está em 122 mil, índice histórico. Procurado, o Ministério da Fazenda e o Tesouro não se manifestaram.