Ford investe R$ 215 milhões na Troller

Estratégia pode sustentar marca após fim dos incentivos fiscais.

Ninguém entendeu muito bem quando a Ford, uma gigante do setor automotivo mundial, comprou a pequenina Troller, uma fábrica artesanal instalada em Horizonte, no Ceará, que produzia pouco mais de mil jipinhos por ano. A resposta está em uma gorda cesta de incentivos fiscais do antigo Regime Automotivo do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, criado nos anos 1990. Na prática, quando adquiriu a Troller, logo nos primeiros dias de 2007, a Ford passou a gozar de isenção total de IPI de tudo que fosse produzido na região, inclusive em sua unidade de Camaçari (BA). Esses benefícios, se não forem prorrogados como já aconteceu em 2010, terminam no fim de 2015. Chegou a hora, portanto, de devolver uma pequena parte dos bilhões recebidos com isenções tributárias para que a Troller possa sobreviver após o fim dos benefícios. 

Por isso a Ford remodelou completamente a fábrica de Horizonte e seu único produto, o fora-de-estrada T4, com investimento de R$ 215 milhões – algo como três meses de isenções de IPI nos produtos feitos em Camaçari. Os recursos vêm do mesmo pacote de R$ 2,8 bilhões que a Ford investiu em suas operações no Nordeste. 

Durante uma cerimônia em Horizonte que marcou o início da produção do novo T4 na fábrica totalmente modernizada, na quinta-feira (17) o governador do Ceará, Cid Ferreira Gomes, destacou o empreendedorismo dos fundadores da Troller ainda no fim dos anos 1990, quando fabricavam buggys. E lembrou que “foi fundamental a integração com o governo federal para tornar possível o negócio com a Ford”. Logo após o Natal de 2006, o governo federal publicou decreto em que autorizava a compradora a “herdar” os benefícios fiscais para todas as suas operações na mesma região, desde que a fábrica comprada fosse mantida funcionando com o mesmo nível de emprego e atividade. “Na época a Ford prometeu investir e hoje cumpriu essa promessa com o investimento de R$ 215 milhões. Espero em breve ver a produção dobrar de 1,2 mil para 2.640 por ano. Não tenho dúvida que há mercado no Brasil para isso, com novas aplicações para o T4 feito aqui”, disse o governador.


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“O investimento feito aqui faz parte de nossa estratégia de competitividade. É para que o negócio seja sustentável. Quando compramos a Troller dissemos que iriamos levar o T4 para o próximo nível. Muita gente estava cética na época, mas é isso que estamos fazendo agora”, justificou Rogelio Golfarb, vice-presidente de assuntos institucionais da Ford América do Sul. Segundo ele, a completa remodelação do T4 deverá abrir novas oportunidades de mercado para o jipe fora do uso meramente recreativo, como frotas de segurança, polícia e mineração. “Esta é a grande porta que se abre para a Troller”, disse. 

Para Golfarb, o Troller T4 é agora “um produto nacional com padrão mundial”. Ainda assim, não existem planos de exportar o modelo no momento. É certo que, por causa de seu método construtivo, com fibra de vidro aplicada sobre estrutura tubular, o carro tem cabine frágil e não passaria em testes de segurança mais rigorosos. Por ser destinado a encarar trilhas fora-de-estrada, nem sequer tem airbags frontais – a legislação brasileira permite essa isenção para veículos off-road, sob alegação de que ao encarar trilhas as bolsas de ar poderiam se abrir acidentalmente. Nada que uma chave não resolva, mas os fabricantes temem que o motorista esqueça de ligar o equipamento novamente na estrada e, em caso de acidente, venha a culpar a montadora pelo airbag não ter funcionado. 

Fábrica nova

A unidade de produção do T4 também precisou passar por completa remodelação para fazer o novo carro. No terreno de 95 mil metros quadrados foram instaladas pistas de testes e a área construída da fábrica foi ampliada de 16 mil para 21 mil metros quadrados. 

A principal mudança está na produção das 43 peças de fibra de vidro que compõem a carroceria do T4. Antes moldadas à mão em camadas, agora as partes são prensadas a quente, no processo conhecido como Sheet Moulding Compound (SMC), o mesmo usado para fabricar carrocerias de carros esportivos como o Mustang GT. Mas o maquinário usado em Horizonte, segundo a Ford, foi comprado de empresa brasileira. 

Depois de estampadas, as partes de fibra são coladas por três robôs. A carroceria completa é aplicada sobre uma estrutura tubular de aço, com três colunas. Após pintadas e polidas, as cabines passam pela montagem final e são encaixadas sobre um chassi especialmente desenhado para o T4, mas que abriga o mesmo trem-de-força da picape Ford Ranger: motor 3.2 turbodiesel de 200 cavalos com câmbio manual der seis marchas Getrag – fabricante alemão de transmissões controlado pela Ford. No caso do T4, é usado o câmbio feito pela Getrag Jiangxi Transmission, da China. 

Com todas as melhorias recebidas, a cadência de produção deu um salto. Antes a fábrica de Horizonte podia produzir seis unidades por dia em um turno de produção. Agora, com os mesmos 400 funcionários no mesmo turno, o ritmo pode subir para 10/dia e chegar a até 12. “Nossa expectativa é mais que dobrar as vendas com o novo T4. Já é possível atender essa demanda apenas com as modernização da planta. Mas se precisarmos poderemos, no futuro, adotar mais um turno”, explica Wilson Vasconcellos Filho, gerente de vendas, marketing e serviços da Troller.


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