Defeitos em Linha nos Materiais Cristalinos

 

O que são

Os defeitos em linha são imperfeições em uma estrutura cristalina nas quais uma linha de átomos tem uma estrutura local que difere da estrutura circunvizinha.

Os defeitos de linha são extrínsecos: sua presença não é necessária por razões termodinâmicas

  • eles são criados devido às condições de processamento (a forma usada na fabricação do material) e por forças mecânicas que atuam sobre o material.
  • estão quase sempre presentes nos cristais reais.
  • em um material típico, aproximadamente 5 de cada 100 milhões de átomos (0.000005%) pertencem a um defeito de linha.

em uma porção de material de 10 cm3 (cerca do tamanho de um dado de seis lados), haverá aproximadamente 1017 átomos que pertencem a defeitos de linha!

Veremos que os defeitos em linha, que são chamados discordâncias, têm uma forte influência sobre as propriedades mecânicas dos metais e de alguns cerâmicos.

 

Observações Experimentais em Monocristais Metálicos

A figura abaixo mostra a curva tensão-deformação, obtida de um ensaio de tração, de um monocristal típico de magnésio, orientado de forma que o plano basal forme um ângulo de 45º com o eixo da tensão. Ao ser atingida uma tensão de tração muito baixa, de cerca de 0,70 MPa, o cristal escoa plasticamente e então se alonga com facilidade até se tornar uma tira que pode ser quatro ou cinco vezes mais longa que o cristal original.

CURVA TENSÃO-DEFORMAÇÃO
CURVA TENSÃO-DEFORMAÇÃO

Se a superfície do cristal deformado for examinada, pode-se observar marcas que circundam a amostra, de maneira aproximadamente contínua, com o formato de elipse. Quando observadas com grande aumento, essas marcas revelam-se como as manifestações visíveis de uma série de pequenos degraus formados na superfície. Evidentemente, em decorrência da aplicação da força, o cristal foi cisalhado em vários planos paralelos. Além disso, a análise cristalográfica das marcas, mostra que esses planos são os basais (0002), ou seja, os planos mais compactos do cristal. Quando ocorre esse tipo de deformação, diz-se que o cristal sofreu "escorregamento"; as marcas visíveis na superfície são chamadas de linhas de escorregamento, e o plano cristalográfico no qual ocorreu o cisalhamento é chamado de plano de escorregamento.

Foto do escorregamento de um monocristal de zinco.
Foto do escorregamento de um monocristal de zinco.
(C.F. Elam, The Distortion of Metal Crystals, Oxford Univ. Press,London, 1935).

A tensão de cisalhamento correspondente ao início da fase plástica em um monocristal é surpreendentemente pequena quando comparada à resistência ao cisalhamento de um cristal perfeito (calculada em termos de forças coesivas entre os átomos).

Em outras palavras, o cristal se deforma plasticamente com tensões 1/10.000 de sua resistência teórica. Analogamente, os cristais reais de outros metais se deformam sob tensões que são frações pequenas de suas resistências teóricas (1/1.000 a 1/10.000).

A explicação para a discrepância entre os limites de escoamento calculado e real reside no fato de que os cristais não são perfeitos, pois contem defeitos, sendo que as discordâncias são o tipo de defeito responsável por este fato.

 

Discordâncias

  • discordâncias são defeitos 1D em um cristal.
  • o tipo mais simples de discordância pode ser visto como um semiplano atômico extra, inserido na estrutura, o qual termina em qualquer lugar do cristal.
  • a extremidade do meio plano é a discordância, conforme mostra a figura abaixo.
  • discordâncias deste tipo são chamadas discordâncias em aresta ou em cunha e são representadas pelo símbolo ^ :
  • a discordância é mostrada em verde
  • podemos desenhar um vetor, t, tangente à discordância, que define sua direção positiva
  • a direção escolhida como positiva é arbitrária, mas pode ser usada de forma consistente

Consideremos agora o semiplano extra que está dentro do cristal. Um exame da figura abaixo (esquema tridimensional de uma discordância em aresta) mostra claramente que o cristal está distorcido onde o semiplano atinge o plano de escorregamento.

Pode-se também deduzir que a distorção diminui de intensidade quando se caminha em sentido oposto à aresta do semiplano, porque a grandes distâncias dessa aresta, os átomos tendem a rearranjar-se como em um cristal perfeito. A distorção do cristal é, pois, centrada em torno da aresta do plano extra.

A figura abaixo ilustra como uma discordância se move através do cristal, sob a aplicação de uma tensão de cisalhamento. Pela aplicação da tensão, o átomo c pode mover-se para a posição c' indicada na figura. Se isso acontecer, a discordância mover-se-á de uma distância atômica para a direita. A contínua aplicação da tensão levará à movimentação da discordância em etapas repetidas. O resultado final é que o cristal é cisalhado no plano de escorregamento de uma distância atômica.

Cada etapa do movimento da discordância, requer somente um pequeno rearranjo de átomos nas vizinhanças do plano extra. Resulta disso que uma força muito pequena pode mover uma discordância. Cálculos teóricos mostram que essa força é de ordem de grandeza compatível para justificar os baixos limites de escoamento dos cristais reais.

Veja a animação do deslocamento em linha

O movimento de uma discordância através de todo o cristal produz um degrau na superfície do mesmo, cuja profundidade é de uma distância atômica. Como uma distância atômica em cristais metálicos é da ordem de alguns ângstrons, esse degrau evidentemente não é visível a olho nu. Muitas centenas ou milhares de discordâncias devem movimentar-se em um plano de escorregamento para que seja produzida uma linha de escorregamento visível.

DISCORDÂNCIAS VISTAS ATRAVÉS DE MICROSCOPIA  ELETRÔNICA DE   TRANSMISSÃO
DISCORDÂNCIAS VISTAS ATRAVÉS DE MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE TRANSMISSÃO

Além das discordâncias em aresta, existem as discordâncias em hélice ou helicoidais.

A designação 'hélice' para esse defeito do reticulado deriva do fato de que os planos do reticulado do cristal formam uma espiral na linha da discordância.

  • elas normalmente se formam na superfície de um cristal durante o seu crescimento

DISCORDÂNCIA EM HÉLICE NA SUPERFÍCIE DE
UM MONOCRISTAL DE SiC. AS LINHAS ESCURAS
SÃO DEGRAUS DE ESCORREGAMENTO
SUPERFICIAIS. (Fig. 5.3-2 in Schaffer et al.).