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Samanta Luchini    |   16/07/2020   |   Desenvolvimento Humano   |  

Qual é o ganho escondido numa emoção desconfortável?

Toda emoção desconfortável traz em si uma grande oportunidade de crescimento. Mas só encontra esse ganho quem está disposto a atravessá-la.

Muito tem se falado a respeito das profissões e atividades que em breve serão executadas por robôs e inteligência artificial. A previsão dos especialistas é a de que isso deve acontecer com quase 60% dos postos de trabalho, dentro dos próximos 5 anos.

Algumas pessoas ficam aflitas, angustiadas e pessimistas com essa a realidade, porque configuram na mente uma tentativa de competição com a máquina, para conservarem sua relevância. Quando na verdade deveriam se concentrar no aprimoramento daquelas habilidades que são exclusivamente humanas.

Uma delas (para mim a principal) é a competência emocional, que ainda não pode ser traduzida num algoritmo. Por isso não perco uma só oportunidade de falar sobre universo das emoções e compartilhar cada descoberta, conceito ou insight que derivam dos meus estudos.

Hoje, assim como já fizemos em outra conversa (no artigo “Pense um minuto: é emoção ou sentimento?”), quero te convidar para uma reflexão sobre a forma como categorizamos e nomeamos as nossas emoções como positivas e negativas. Sendo que essas últimas sustentam praticamente todas as buscas por ferramentas e estratégias de administração. Eu nunca vi uma pessoa buscar ajuda ou técnicas específicas para lidar melhor com alegria ou com o amor. Agora, repare na demanda existente para se lidar de forma mais efetiva com a tristeza, o medo ou a raiva.

A emoção é uma energia, uma resposta fisiológica - automática e inconsciente - que emitimos diante de um determinado estímulo. Analisando desta forma, é impossível que uma emoção assuma uma categoria positiva ou negativa. O que traz essas nuances é a experiência consciente que fazemos da energia, ou seja, a interpretação e os significados que utilizamos para explicar ou descrever o que o nosso corpo experimentou.  

Esta interpretação é construída através de uma somatória de fatores, como: circunstância atual, aprendizado, cultura, formação, experiências anteriores, reforço positivo ou negativo, dinâmica familiar e desejabilidade social. Até a genética pode influenciar a forma com interpretamos aquilo que sentimos.


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Isso significa que essa interpretação é pessoal e intransferível. Pense, por exemplo, que você esteja prestes a subir no palco para proferir uma palestra, num auditório lotado. Trata-se de um momento importante para sua carreira e para sua imagem. É bastante provável que nesse momento você experimente aquela famosa sensação de frio na barriga e perceba seu coração acelerado. Você pode interpretar essa sensação como medo, dando a ela uma conotação negativa, porque alguma experiência anterior lhe trouxe essa associação. Outra pessoa pode interpretar como excitação, dando a ela uma conotação positiva, tendo em vista suas próprias experiências anteriores.

Quando se categoriza uma emoção como “negativa”, corre-se o risco de perder valiosas oportunidades de construção e aprendizado. Porque toda emoção traz em si uma informação importantíssima sobre quem somos e sobre o que realmente precisamos. Interpretar uma emoção como negativa já pode ser o primeiro obstáculo para a sua correta administração, pois o ser humano tem como marca registrada a tendência primeira de evitar o negativo, como forma de assegurar a própria proteção e sobrevivência.

Além do mais, essa polaridade positivo-negativo que se aplica a tantas dimensões do comportamento humano, parece ser muito rígida e reducionista, visto que a nossa experiência diária inclui uma infinidade de estados emocionais e todos eles merecem ser identificados, aceitos, sentidos e manejados de forma produtiva. Talvez uma categorização mais atualizada e humanizada seja mais proveitosa.  

A ideia aqui é utilizar os termos emoções confortáveis e emoções desconfortáveis e, principalmente refletir sobre como a travessia por estas emoções pode nos trazem muitos ganhos.

Neste texto escolhi falar sobre três emoções desconfortáveis que fazem parte da vida de todas as pessoas: a tristeza, o medo e a raiva. Sabemos que a experiência destas emoções é dolorosa na grande maioria das vezes, algumas trazem sintomas físicos, outras tem episódios mais longos do que gostaríamos e todas elas demandam estratégias de enfrentamento, ou seja, é preciso passar por elas e entender o que elas podem nos trazer.

O grande problema atualmente é que as pessoas em geral buscam apenas as estratégias de alívio, como forma de escapar do desconforto o mais rápido possível e criar emoções confortáveis imediatamente. Mergulham de cabeça nos exercícios físicos, nas artes marciais, nas técnicas de meditação e mindfullnes, dentre muitas outras opções e acabam se distraindo, deixando de trabalhar efetivamente com a emoção. É claro que em alguns casos, como por exemplo na raiva, as técnicas de alívio são fundamentais, mas quando elas cumprem a função de aliviar, é preciso passar para o estágio da travessia. Só assim as emoções desconfortáveis são resolvidas por completo e nos trazem um nível de crescimento que muitas pessoas desconhecem.

A competência emocional, que tanto almejamos, significa encarar e resolver, curar o que está machucado, reintegrar o que ficou isolado. Sendo assim, quero te mostrar o quão interessante é o ganho que obtemos ao completar a travessia pelas emoções desconfortáveis.

Vamos começar com a tristeza. Você deve ter assistido ao filme Divertida Mente (Disney/Pixar) e visto que a tristeza anda o tempo todo grudada na alegria; e que ela é a responsável por resolver toda a trama do filme, permitindo um final saudável e feliz. Mas porque será?

A tristeza é um estado emocional transitório, uma ponte de transição entre aquilo que perdemos (seja de forma concreta ou abstrata) e a vida que teremos na ausência do que foi perdido. É uma emoção saudável e necessária para que possamos honrar o que se foi e nos curarmos para receber o que virá. É uma espécie de “emoção-hospital” que nos ajuda a largar o velho para usufruir o novo.

O ponto crítico é que muitas pessoas associam a experiência da tristeza como sinal de fraqueza e vulnerabilidade. Basta lembrar do que aprendemos desde muito cedo, com frases do tipo “não fique triste”, “isso não é motivo para chorar”, “homem não chora”, “mulher moderna tem que ser forte”. Com isso se constrói uma “farsa de força” na qual as pessoas se desconectam inteiramente de si mesmas e acabam carregando coisas mal resolvidas, que as consomem por uma vida inteira.

A tristeza nos traz a informação de que devemos soltar aquilo que não funciona mais. No entanto essa soltura nem sempre é imediata, às vezes demanda um tempo de elaboração que não é igual ao de outra pessoa.

Atravessar a tristeza traz relaxamento, vitalidade e rejuvenescimento, pois permite uma reconexão com a vida e aprofunda nossa capacidade de nos conectarmos com os outros. Mas para tanto, você precisa trabalhar duro com ela, dispondo-se a refletir sobre a sua verdadeira causa, observar como ela funciona em você e permitir-se à desaceleração.

Expressar a tristeza é também uma parte essencial desta travessia. Seja para si mesmo, (através da escrita, por exemplo) ou compartilhando com alguém em quem você confie e que possa validar a forma como você se sente, sem emitir opiniões ou julgamentos.

Esses passos são fundamentais para se chegar à fase da reconstrução, que é o final da travessia, onde podemos enxergar novos significados, novas conexões, novos papeis e novos comportamentos. Criar o novo nem sempre é simples. Mas entender o propósito da tristeza e fazer essa transição é o melhor presente que você pode dar a si mesmo.

A outra emoção desconfortável sobre a qual quero falar é o medo, uma emoção que nos acompanha desde a origem da espécie humana. Lembre-se que você está vivo hoje graças ao medo que seus antepassados sentiram. Sentir medo faz parte da nossa genética evolucionária, faz parte do nosso kit de sobrevivência.

Sentimos medo de ameaças reais, como por exemplo uma cobra ou uma pessoa com uma arma apontada para nossa cabeça. Sentimos medos relacionais, como por exemplo de não nos sentirmos amados ou não sermos escolhidos. Sentimos medo do futuro, sobre ameaças que ainda não existem, ao qual também podemos dar o nome de ansiedade.

E para as questões de sobrevivência que enfrentamos atualmente, o medo funciona como um grande radar, que nos ajuda a identificar as mudanças que vem pela frente. Um sistema de proteção que nos informa que precisamos estar preparados. Ele aguça nossa curiosidade, ajusta nosso foco e nos impele à preparação e à confiança, mostrando-nos a necessidade de habilidades extras ou de maior carga energética para enfrentar a situação.

O medo age como uma espécie de mentor, um visionário que consegue ver os problemas antes da gente. Há quem chame o medo de intuição, o que para mim faz bastante sentido. E quem dá ouvidos a ele, geralmente se sai melhor.

Quando você for surpreendido pelo medo, escute-o e procure responder a essas duas perguntas “qual é o passo/ação que preciso executar agora?” e “o que eu preciso entender, estudar ou desenvolver nesse momento?”

Pense nos empresários mais ricos e bem sucedidos que você conhece. Tenho certeza de que eles só construíram suas fortunas porque ficaram atentos a esse radar e com isso conseguiram captar pequenas coisas que os outros não viram.

O medo é uma emoção saudável e adaptativa, que nos faz melhores, mais competentes e mais confiantes. Mas isso só acontece com quem está disposto a trabalhar com ele, ao invés de se deixar paralisar.

Por fim, vamos falar dela...

A raiva é uma emoção que deriva das situações nas quais nossos valores são invadidos, quando somos maltratados ou quando alguém se aproveita de nós. Ela está intimamente ligada à nossa percepção de justiça e às nossas expectativas em relação aos outros.

O ponto crítico é a maneira como a raiva é expressada. Poucas pessoas conseguem uma expressão construtiva para a raiva que sentem e como já dizia Aristóteles “qualquer pessoa pode ficar irritada – isso é fácil, mas ficar irritada com a pessoa certa, na medida certa, no momento certo, com o propósito certo e da maneira certa – isso não é fácil.” Sentir raiva não nos dá o direito de sermos cruéis.

A raiva é uma emoção de proteção e restauração. Ela nos ajuda a respeitar a nós mesmos e aos outros, definir ou restaurar limites que tenham sido extrapolados e restabelecer a nossa própria força interior. Você já observou que as pessoas que não se permitem sentir raiva são invadidas e invalidadas o tempo todo? A famosa filosofia do “deixa prá lá” pode ser perigosa e anular a nossa função de autoproteção, porque quem reprime a raiva tem seus próprios limites enfraquecidos.

Entretanto, quando bem canalizada e expressa de forma saudável, a raiva é uma emoção valiosíssima, pois é uma energia que se transforma em poder de ação contra o nosso senso de impotência. Ela geralmente nos tira do local de observadores passivos e nos impulsiona a fazer algo, nos coloca em movimento. Dá voz e corpo à nossa indignação e com isso nos capacita a construir um mundo melhor à nossa volta. Você já reparou que todos os movimentos que fizeram da nossa sociedade um lugar melhor foram empreendidos por pessoas indignadas e inconformadas?

Mas da mesma forma como ocorre com a tristeza, atravessar a raiva também requer trabalho duro.

É possível que você precise, incialmente, de uma estratégia de alívio. Você já identificou o que funciona para diminuir a intensidade da sua raiva? Já experimentou algo e percebeu resultado positivo? Não importa se for algo diferente ou inusitado, o que você precisa ter em mente é que numa situação de raiva intensa, seus olhos não veem direito, seus ouvidos não escutam direito, seu cérebro não processa direito e sua boca fala coisas sem que você possa controlar.

Depois, você precisa reconhecer os sinais da raiva, que geralmente se manifestam por reações físicas como aceleração dos batimentos, rubor e rigidez muscular. Se esses sinais ainda estiverem muito evidentes, talvez seja necessário pedir um tempo a mais e para analisar responder mais adequadamente à situação.

Essa análise pode começar a partir de algumas perguntas: “o que eu valorizo?”; “o que é importante para mim”; “o que precisa ser protegido ou restaurado?”

Por isso desenvolver a competência da assertividade é um bom caminho para a canalização e a expressão saudável da raiva. Pessoas assertivas conseguem dizer o que pensam, sem ofender. Defendem seus direitos sem invadir os direitos dos outros. Fazem o outro reagir de maneira atenta e positiva.

As emoções são o motor da nossa vida, por isso qualquer avanço no seu entendimento e na sua administração é bem-vindo. Ter tristeza não significa ser triste. Ter medo não significa ser medroso. Ter raiva não significa ser raivoso.

A emoção é apenas uma energia e é possível dar a ela um destino construtivo. Uma emoção desconfortável manejada de forma produtiva, pode nos trazer uma experiência altamente construtiva e de grande crescimento.

Um grande abraço e até breve.

O conteúdo e a opinião expressa neste artigo não representam a opinião do Grupo CIMM e são de responsabilidade do autor.
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Samanta Luchini

Mestre em Administração com Foco em Gestão e Inovação Organizacional, Especialista em Gestão de Pessoas pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS e em Neurociência pela Unifesp.
Psicóloga pela Universidade Metodista de São Paulo.
Executive & Life Coach em nível Sênior, com formação internacional pelo ICI (Integrated Coaching Institute) em curso credenciado pela ICF (International Coach Federation).
Professora convidada dos programas de pós-graduação da FGV/Strong, Universidade Metodista e Senac, dos programas de MBA da Universidade São Marcos e Unimonte, e dos cursos FGV/Cademp, para a área de Gestão de Pessoas.
Professora conteudista do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos – UNIFEOB.
Formadora de consultores e treinadores comportamentais.
Atua há mais de 23 anos com Gestão de Pessoas em diversas empresas e segmentos, dentre elas Wickbold, Bridgestone, Bombril, Solar Coca-Cola, Porto Seguro, Grupo M. Dias Branco, Prensas Schuler, Arteb, Grupo Mardel, Tegma, Pertech, Sherwin-Williams, Grupo Sigla, Unilever, Engecorps, Nitro Química, Grupo Byogene, Netfarma, NTN do Brasil, TW Espumas, Ambev, Takeda, Pöyry Tecnologia,
Neogrid, Scania, Kemp, Ceva Saúde Animal, Embalagens Flexíveis Diadema, Sem Parar, CMOC, Camil e Toyota.
Em sua trajetória profissional e acadêmica, já desenvolveu mais de 27.000 pessoas, com uma média de avaliação superior a nota 9,0 em todos seus treinamentos.
Palestrante, consultora de empresas e autora de diversos artigos acadêmicos publicados em congressos e revistas.
Colunista da revista Manufatura em Foco – www.manufaturaemfoco.com.br


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