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Samanta Luchini    |   17/07/2017   |   Desenvolvimento Humano   |  

O mundo precisa de bons ouvintes

É notável a preocupação das pessoas, especialmente no universo corporativo, com o desenvolvimento da habilidade de comunicação, pois a ela estão condicionadas uma série de outras competências importantes, como por exemplo a gestão assertiva dos conflitos, a delegação e a prática de feedback. Isso sem contar ainda com a qualidade e a sustentabilidade dos diversos relacionamentos que estabelecemos no cotidiano, que também dependem diretamente da atenção que se dá ao processo de comunicação.

Muitos esforços são empregados para que o emissor consiga enviar sua mensagem de forma clara e objetiva, através de um meio que assegure a boa recepção da informação por parte do receptor. Muitas técnicas são divulgadas, aprendidas e praticadas à exaustão para que se saiba falar bem em público e para que cada apresentação cause um bom impacto na plateia e seja digna de aplauso.

Agora uma pergunta que há tempos me acompanha: será que a mesma preocupação empregada à emissão das mensagens também é direcionada para a recepção? O valor que se dá à oratória também é dado à “escutatória”? Receio que não...

A comunicação é um processo de via dupla, no qual o retorno que recebemos acerca das mensagens que enviamos é, alguns casos, mais significativo e determinante para a construção do entendimento e da confiança. Como já dizia o filósofo e escritor alemão, Johann Wolfgang von Goethe “falar é uma necessidade, escutar é uma arte.” Uma arte que demanda não apenas conhecimentos e habilidades específicas, mas essencialmente a predisposição e o genuíno interesse de quem ouve. Fatores que estão ligados às nossas atitudes e à importância que conferimos às pessoas que nos rodeiam.

Desta forma, a qualidade da comunicação passa, inevitavelmente, pela qualidade da escuta. Não foi por acaso que Deus - o maior cientista de todos os tempos - concebeu o homem com duas orelhas e uma única boca, para que ele pudesse cultivar o hábito de ouvir mais do que fala. O desafio dos nossos dias é conseguir atender a essa premissa e para tanto, algumas reflexões são importantes.


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Ouvir é uma coisa e escutar é outra, diferente. Quem ouve é o ouvido (ou a orelha, para os especialistas), através do sentido da audição; quem escuta é o cérebro, pois escutar envolve também interpretar e atribuir significado. Com essa diferenciação fica mais fácil compreender a estatística provada e comprovada por diversos estudos na área de comunicação, na qual a maioria das pessoas escuta apenas 25% do que ouve, os outros 75% são eliminados. Agora imagine a quantidade de informações importantes que deixamos de escutar nos diálogos da vida, as opiniões que adotamos e as decisões que tomamos sem que tenhamos ouvido nem a metade das informações.

Esse elevado índice de eliminação pode se dar pela falta de atenção, pela falta de interesse e também pela prática de alguns hábitos nocivos, que às vezes não são percebidos como tal e se transformam em padrões automáticos de comportamento. Aproveite os padrões descritos a seguir para fazer um autoexame e, se necessário, repense sobre as consequências que eles podem provocar.

O ouvinte tipo “liga-desliga” é aquele que só escuta aquilo que lhe interessa ou que lhe seja conveniente. É como se ele desligasse suas orelhas para as demais informações. Essa espécie também pode ser chamada de “ouvinte seletivo”.

O ouvinte tipo “alerta vermelho” é aquele que só aciona sua escuta perante palavras e expressões de gatilho. Por exemplo, só começa a escutar quando ouve palavras como chefe, cliente, urgente, auditoria, mudança, dinheiro, etc. Esses gatilhos geralmente são estabelecidos por nossos interesses, objetivos, prioridades, crenças e receios.

O ouvinte tipo “aberto/fechado” é aquele que adora utilizar a expressão “sou todo ouvidos” para mostrar que está aberto e pronto para escutar, afinal essa é a postura politicamente correta. Mas infelizmente a abertura vale apenas para as orelhas, pois a mente está fechada, engessada e repleta de ideias pré-concebidas.

O ouvinte tipo “olhos vidrados” é aquele que desenvolveu a técnica de dormir de olhos abertos, ou seja, mantem contato visual durante toda a conversa (às vezes, nem pisca) mas a mente está a quilômetros de distância, talvez até em outra dimensão. Esse é aquele tipo de pessoa para a qual precisamos repetir com frequência tudo aquilo que acabamos de dizer.

O ouvinte tipo “isso não é para mim” é aquele se julga incapaz de aprender coisas novas ou mudar de opinião, mesmo que a narrativa traga argumentos lógicos e racionais. Esse é aquele tipo de pessoa que cria uma série de barreiras mentais e frequentemente usa expressões como “eu não consigo fazer isso”, “eu nunca fui bom com números”, ou “nem adianta tentar me explicar como funciona esse novo aplicativo porque eu não sou dado a essa coisa da tecnologia”. 

O ouvinte tipo “não balance o barco” é aquele que carrega convicções e crenças tão fortes e arraigadas, que só se dispõe a escutar aquilo que de alguma maneira valida ou reforça seu sistema. Esse é aquele típico padrão que percebemos em discussões de cunho político ou religioso, por exemplo.

O ouvinte tipo “interruptor”, como o próprio nome já diz, é aquele que interrompe. Não espera a outra parte concluir a mensagem, atropela e termina as frases com suas próprias palavras, que nem sempre estão de acordo com a ideia inicial. Parece não ter paciência de ouvir até o fim ou não conseguir controlar a ansiedade de esperar a sua vez de falar. Além de ser mal educado, esse hábito torna a conversa extremamente irritante e desagradável.

O ouvinte tipo “junto e misturado” é aquele que fala ao mesmo que tempo que seu interlocutor, transformando a conversa numa verdadeira confusão, onde ninguém se escuta e por consequência, ninguém se entende. Esse hábito é mais um exemplo de falta de educação, que denota também um baixo grau de consideração e respeito com a outra parte.

O ouvinte tipo “resposta em construção” é aquele que ao invés de escutar e prestar atenção ao que está sendo dito, começa a elaborar a sua reposta enquanto a outra pessoa ainda está falando. Isso significa que ao invés de o cérebro se ocupar com a escuta, com a retenção da informação e com a atribuição de significado, ele se ocupa com a construção da resposta. Desta forma, a escuta fica comprometida e a resposta pode se tornar inadequada (às vezes, até absurda) por não estar baseada na mensagem completa.

Creio que existam ainda muitos outros tipos de ouvintes desqualificados. Você mesmo pode começar a identifica-los com maior acuracidade a partir das reflexões que fizemos até aqui. Mas uma constatação que certamente compartilhamos é a de que o mundo precisa de bons ouvintes. Se as pessoas aprimorarem esta habilidade, poderemos experimentar relações mais verdadeiras e sustentáveis. 

Os bons ouvintes são aqueles que praticam a escuta ativa, que é manifestada através de comportamentos específicos. Isso significa que os bons ouvintes fazem coisas diferentes da maioria das pessoas, por isso conseguem obter resultados diferentes na comunicação. 
Bons ouvintes costumam confirmar sua compreensão sobre aquilo que lhes é dito e fazer perguntas adicionais para ampliar seu entendimento sobre o assunto. Esse hábito, além de trazer maior dinamismo e interatividade para a comunicação, revela o interesse no conteúdo e na pessoa que fala. 

Bons ouvintes estabelecem e mantem o contato visual durante o diálogo. Você já deve ter percebido o quanto o fator “olho no olho” é decisivo para uma comunicação de qualidade. E numa época altamente tecnológica, na qual as pessoas parecem não conseguir tirar os olhos da tela dos smartphones, quem pratica esse hábito ocupa lugar de destaque nos relacionamentos.

E já que tocamos no ponto da tecnologia, vale ressaltar que os bons ouvintes são capazes de resistir às inúmeras distrações que ela oferece, destinando seu foco exclusivamente para quem está falando durante a conversa. Não cometa o autoengano de acreditar que é possível escutar ativa e atentamente ao mesmo tempo em que se verifica uma mensagem no WhatsApp ou em que se observa as últimas atualizações de status no Facebook. Essa situação fica ainda pior quando o distraído, sem o menor constrangimento, pede para que a mensagem seja repetida, desrespeitando a pessoa que fala e o precioso tempo que ela investiu comunicando pela primeira vez.

Bons ouvintes se utilizam frequentemente da paráfrase, que é um dos melhores recursos para favorecer o entendimento e a compreensão. Paráfrase é uma reformulação da mensagem inicial, a partir do seu próprio repertório de palavras e expressões, sem a alteração do seu conteúdo original. É capacidade de colocar o que o outro disse, em nossas próprias palavras, preservando a essência da mensagem. A partir da paráfrase, os bons ouvintes releem as informações apresentadas, trazendo-as para o seu próprio universo, algo que confere uma participação mais empática e colaborativa nos diálogos.

É a partir da prática de comportamentos como estes que se desenvolve uma escuta diferenciada. E como nos ensina Stephen Covey, “quando ouvimos mais com a intenção de compreender os outros do que com a de retrucar, começamos a construir a verdadeira comunicação e o verdadeiro relacionamento”.

Portanto, antes de investir mais tempo e mais dinheiro consumindo “oratória” para refinar sua habilidade de comunicação, observe suas atitudes como ouvinte e verifique o que deve ser mantido e o que precisa ser mudado. Você pode se surpreender com as possibilidades de crescer e avançar. 

Um grande abraço e até breve...

O conteúdo e a opinião expressa neste artigo não representam a opinião do Grupo CIMM e são de responsabilidade do autor.
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Samanta Luchini

Mestre em Administração com Foco em Gestão e Inovação Organizacional, Especialista em Gestão de Pessoas pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS e em Neurociência pela Unifesp.
Psicóloga pela Universidade Metodista de São Paulo.
Executive & Life Coach em nível Sênior, com formação internacional pelo ICI (Integrated Coaching Institute) em curso credenciado pela ICF (International Coach Federation).
Professora convidada dos programas de pós-graduação da FGV/Strong, Universidade Metodista e Senac, dos programas de MBA da Universidade São Marcos e Unimonte, e dos cursos FGV/Cademp, para a área de Gestão de Pessoas.
Professora conteudista do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos – UNIFEOB.
Formadora de consultores e treinadores comportamentais.
Atua há mais de 23 anos com Gestão de Pessoas em diversas empresas e segmentos, dentre elas Wickbold, Bridgestone, Bombril, Solar Coca-Cola, Porto Seguro, Grupo M. Dias Branco, Prensas Schuler, Arteb, Grupo Mardel, Tegma, Pertech, Sherwin-Williams, Grupo Sigla, Unilever, Engecorps, Nitro Química, Grupo Byogene, Netfarma, NTN do Brasil, TW Espumas, Ambev, Takeda, Pöyry Tecnologia,
Neogrid, Scania, Kemp, Ceva Saúde Animal, Embalagens Flexíveis Diadema, Sem Parar, CMOC, Camil e Toyota.
Em sua trajetória profissional e acadêmica, já desenvolveu mais de 27.000 pessoas, com uma média de avaliação superior a nota 9,0 em todos seus treinamentos.
Palestrante, consultora de empresas e autora de diversos artigos acadêmicos publicados em congressos e revistas.
Colunista da revista Manufatura em Foco – www.manufaturaemfoco.com.br


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